O míldio, o escaravelho e o piolho
Fui ao “Mouta & Irmão” comprar 100 metros de tubo de 1″1/4 e umas uniões. A casa fervilhava de actividade. Estamos na época alta dos químicos.
Apareceu o Sr. Américo, pouco falador. Não é a primeira vez que encontro pessoas na vila, que nas terras são extremamente expansivos, mas na civilização comportam-se como peixes fora de água. E também reparo que se aperaltam, mesmo se for para voltar ao trabalho. Eu não, ando para lá como estiver, de qualquer maneira.
Ele ia comprar o “pó para a primeira vez nas batatas” e também “para o piolho”. Cinco de cada. O conselho do funcionário foi lesto: “Isto dá para 100 litros, mas se puser só 80, fica mais fortezinho” — “Eu sei, eu sei”, retorquiu o Sr. Américo impaciente. Um velhote, deu logo outro conselho — “ponha só de escaravelho que o piolho também dança” (i. é produto mais forte).
Dança o piolho, dançam os insectos benéficos, os pássaros, a terra, a água, em resumo, dançamos todos. Tem sido um fartote de baile. Desci ao armazém e fiquei admirado com a quantidade de produtos químicos que lá tinham. Literalmente às paletes.
O “irmão” do “Mouta & Irmão”, que por acaso é uma irmã, exclamou algo, admirada com a quantidade de produtos e de dinheiro que se gasta nas terras. Toda a gente foi unânime na aclamação dessa afirmação e em completá-la com o facto das terras não darem nada.
De seguida fui ao grémio, mas nem entrei, estava cheio até à rua. O povo saía de lá de dentro com químicos às carradas. Eu nem imagino a real dimensão deste problema. Acho que não será necessário ser especialista para concluir que o modelo não é sustentável — ou só o é para a indústria química. Não me custa imaginar, no entanto, que o facto de eu não usar tudo isto, não tem impacto nenhum.
Continuo a tentar acreditar que sim, mas sou ultrapassado pela dura realidade.
Uma resposta para“O míldio, o escaravelho e o piolho”
Caro JRF, claro que tem imenso impacto o facto de não usar nada desses produtos químicos, até no facto de que se assim não fosse, seria muito pouco provável que visitasse o seu “blog” quase diariamente… Acredite que não está só e que muitas outras pessoas (cada vez mais) partilham da sua forma de pensar. De facto não é preciso fazer um grande esforço intelectual para reparar que este modelo de “crescimento” e economia está esgotado, não é viável e faz parte de um passado, do qual Portugal porém, continua infelizmente a fazer parte… Porém é graças aos seus esforços (práticos) que esta realidade se vai alterando. Só por isso, tem todo o meu agradecimento e apoio. Assim fizessem outras pessoas e entidades (algumas ditas ambientalistas) nesse magnífico vale que é o do rio Bestança. Há que perseverar…
“Não me custa imaginar, no entanto, que o facto de eu não usar tudo isto, não tem impacto nenhum”. Tem e muito. Pelo menos você e a sua família sabem muito bem do que comem. E isso já é muito bom. Um exemplo a seguir, e a divulgar. Bem haja. Abraço.
Eu tenho perseverado, ainda que por pouco tempo e sem saber exactamente por quanto mais. A visita à outra margem, perto da sua aldeia Boassas (esqueci-me de levar o seu número), abalou-me ligeiramente.
Quanto aos químicos, as estatísticas mostram realmente que a área cultivada biologicamente tem aumentado muito em termos percentuais. Mas, é bom não esquecermos que é um “recomeçar do zero”. Em termos globais é mesmo muito pouco e tenho quase a certeza que o consumo de químicos tem igualmente aumentado e se calhar de forma exponencial, o que até pode parecer um paradoxo. Não é porque se trata exactamente de uma das consequências do seu uso: Aumento progressivo da dose, ou constantes “fórmulas melhoradas”.
Os transgénicos também estão aí ao virar da esquina e ninguém duvide que vão mesmo virar a esquina. São tempos estranhos, estes.
Caro JRF, que pena não ter passado por Boassas. Poderíamos ter trocado algumas impressões sobre este e outros assuntos. Claro que esta não é uma questão fácil. São hábitos já enraízados e apoiados por uma indústria poderosa e fortíssima em termos económicos… Mas o facto é que, tal como afirma, a área cultivada biologicamente continua a crescer. Há que incentivar e divulgar estes casos, integrar movimentos associativos, ser activo e participativo. Não tenhamos dúvidas de que estamos no dealbar de um novo paradigma e de que o modelo anterior está “falido”, é irracional, injusto e é inviável, já hoje, neste momento. Óbviamente há que procurar alternativas, sendo que o ponto de partida de que “é necessário pensar globalmente e agir localmente”, que está inerente à sua acção no “Sargaçal” e neste próprio “blog” , parecem-me um notável exemplo. A divulgar e a seguir. A questão, delicada, dos “transgénicos” faz-me lembrar um pouco o que se passa com a “eucaliptização” do país. Há melhores soluções, mas que não vingam por mero preconceito, falta de conhecimento, desleixo por parte do próprio poder (eu sei lá…). Não se entende como é que não se incentiva o uso e plantação de cânhamo, quando se sabe que em muito menos tempo (ao fim de cerca de quatro meses está pronto para colher, enquanto um eucalipto demora entre 7 a 10 anos), produz muito maior quantidade de papel (a mesma área produz cerca de QUATRO A CINCO VEZES mais papel), não estraga o solo, pelo contrário, tratando-se de uma herbácea melhora-o, podendo ser integrado na rotação agrícola e não obrigando à monocultura. Para além disto o seu cultivo é subsidiado e pode produzir toda uma outra quantidade enorme de produtos (fibra têxtil; óleo alimentar de alto teor nutritivo; uso medicinal). Os próprios desperdícios podem ser usados no fabrico de materiais de construção; biomassa; plástico, etc… Então só nos podemos perguntar. Porque se continuam a destruir os terrenos desta maneira com a monocultura do eucalipto e do pinheiro, quando o uso e cultivo do cânhamo tem um valor acrescentado e, inclusive, uma tradição em Portugal?… Enfim, penso que só com muito esforço e perseverança é que se irá conseguir modificar esta mentalidade seguidista e irracional…
Passarei muito em breve. Tenho só que resolver a questão dos tanques e água, antes da “época das cerejas” e principalmente do Verão.