O cãozito

O cãozito na fotografia anterior era do irmão do Cláudio e fazia-nos companhia regularmente.
Eu não estava lá, mas contaram-me. Um dia, assustou uma ovelha perto do ribeiro, que acabou por partir uma pata. O dono da ovelha fez um escarcéu e o Cláudio foi obrigado a comprar a ovelha, por 18 contos, que o Sr. Américo posteriormente abateu. Não demorou uma semana para o cãozito desaparecer sem deixar rasto. Sobrou a coleira que deixaram num caminho.
Custa-me muito aceitar isto. O Cláudio pagou a ovelha, mas o olho por olho, mesmo assim foi rápido e sem hesitações. É autenticamente a idade das trevas.
Quem julga que o campo é só poesia, flores e passarinhos a cantar, está redondamente enganado.

Uma resposta para“O cãozito”

  1. Nuno Ferreira

    E não é só por cá, meu caro JRF. Não é à toa que o escritor Stephen King está no seu melhor quando escreve sobre os terrores simples do quotidiano na América fora das grandes cidades.

    Os seus melhores livros não sobre o sobrenatural ou de ficção científica, mas sim as histórias simples da brutalidade quotididana no meio rural, que nunca é vista ou sentida pela maior parte da população porque não é notícia para as televisões ou manchete dos jornais.

    Muitos dos que se apaixonam pela vida no campo têem uma noção romântica quase new-age do meio rural, porque a maioria só passa uns fim-de-semana agradáveis numa pousada ou casa de turismo rural, e depois quando acontecem coisas como as que descreveste acham que entraram num filme de terror.

    Basta olhar para o pouco que aparece nos jornais sobre o meio rural, para ver que de facto, de romântico tem muito pouco.

    É um tipo de violência surda e subterrânea, como um remoinho abaixo da superfície calma de um lago. É preciso entrar lá dentro para descobrir que existe , e muitas vezes ser arrastado para baixo.

  2. cerveira pinto

    Eh lá! Da forma como isto está descrito parece que não haverá coisa pior do que viver no meio rural… Parece-me que o que o José Rui quer salientar é que o mundo rural também tem aspectos violentos e (óbviamente) não é só passarinhos e flores. Mas para quem assim fala proponho uma visita aos bairros do Porto chamados S. João de Deus e Cerco do Porto (em qualquer dia ou hora da semana) e isto para só mencionar casos que nos são próximos… Claro que o que se irá ver (duvido que haja coragem…)ainda não é como as dezenas de meninos de rua assassinados todas as semanas em cidades como S. Paulo ou rio de Janeiro, mas já será suficiente para uma comparação. Por último e tendo como certo que o destino do “cãozito” terá sido o que se adivinha, não me parece que seja uma violência menor do que aqueles que, nas grandes cidades, todos os anos por esta altura abandonam os seus cãezinhos (de raça pagos a peso de ouro…) para ir para férias e que, geralmente, acabam por ser abatidos nos canis!! (Outros há que os abandonam apenas porque se feriram ou estão doentes e já não podem ser exibidos…!). Isto para já não falar na quantidade inominável de animais mortos e feridos por essas estradas fora por imbecis condutores tresloucados… [Ainda há pouco tempo, na CIDADE de Guimarães, ao deslocar-me para a Universidade assisti um cão que havia sido atropelado por um condutor que no seu BMW nem sequer se deu ao trabalho de parar. Pior! Fiquei bastante tempo no meio da estrada imensamente movimentada (uma via rápida, com três faixas de rodagem) sem que os “automobilistas” parassem para ajudar: Entretanto – alívio – pára um carro da polícia e pergunta: “O cão é seu?”. Respondo que não. O carro segue, “para estacionar” – penso, enquanto em continuo a tentar segurar o cão que atordoado com o choque não se conseguia suster… Olho para ver onde havia estacionado o carro da polícia e se iria demorar muito para ajudar. Reparo então que o carro se tinha ido embora, abandonando-me no meio da estrada a tratar do animal ferido e arriscando-me sériamente a ser atropelado. Por sorte (ainda nem todos são broncos neste país) um casal de estudantes universitários viu-me naquela situação e ajudou-me a pegar no animal, que era grande e que eu sozinho não conseguia transportar, e colocá-lo dentro do carro… Sempre que me recordo desta história pergunto-me para que pago eu impostos para alimentar imbecis deste calibre e fico contente por ter salvo a vida de um animal que, sem dúvida tem muito mais valor que qualquer daqueles criminosos… Tenho também a certeza que se fosse na minha aldeia qualquer pessoa ajudaria!]. E chega por ora!
    Manuel

  3. jrf

    É verdade.
    Esse cãozito tinha sido abandonado, supostamente, por gente (caçadores) da muito civilizada cidade. E os outros (três se não me engano) que andam pela casa do Cláudio.
    Feitas as contas e já as fiz, preferia viver no campo a tempo inteiro. Uma das grandes diferenças, relativamente a estas e outras violências, é que nos estão muito próximas. Na cidade, onde nem o vizinho no mesmo prédio se conhece, é tudo muito mais distante — não é nada connosco. Mas elas acontecem e não são poucas.
    Mas concordo que existe uma violência surda e pelo que observei, o álcool é a grande causa.
    Não concordo com conclusões via jornais, sempre à procura de abjecções, que é o que os leitores gostam. Por muito de positivo que se passe no campo, nunca chega nada às letras gordas das páginas dos diários.
    Mas, é verdade que qualquer paisagem bucólica com ovelhinhas a pastar, esconde o facto que irão todas acabar no prato de alguém. Seja no Bestança ou na Suiça. É a vida.
    Quanto à quantidade de animais atropelados neste país, é algo de surreal. Já percorri dezenas de milhares de quilómetros de carro, pela Europa e também pela América (onde se vê vida selvagem atropelada, é certo) e nunca vi nada igual nem parecido. Aliás, nesse aspecto nem preciso de sair da minha rua (que não tem saída e devia ser de marcha extremamente lenta). Prefiro nem saber dessas histórias e esquecer-me das minhas.

  4. cerveira pinto

    Quer então dizer que só uma pessoa, na medieval aldeia, adoptou quatro cães abandonados pelos civilizados citadinos?… É uma estatística elucidativa! É um facto que, na aldeia, todos se conhecem e o que acontece ao vizinho acontece-me também a mim, mas, também por isso, há alguns tipos de sentimentos menos abonatórios que têm tendência a ser exacerbados… então se regados com álcool! É dramático… Porém, apesar de saber que as ovelhinhas irão acabar no prato (nem todas – há aquelas cuja função é mesmo procriar e, mesmo lá na quinta, que tem poucas, já vi algumas morrer de velhice…) mas, como ia dizendo, apesar de tudo prefiro vê-las, livres, ao sol, no prado, do que naquelas fábricas de produzir carne enlatada, ou a ser submetidas aos tratos dos criadores da Austrália (que vi aqui no “Sargaçal”…) para a globalizada “Benneton”. Todos os fins de semana vejo as ovelhinhas que pastam lá no meu quintal medieval de Boassas e nunca (mas nunca…mesmo, apesar de ser o mais provável) me passou pela cabeça que vão acabar no prato. Contudo, quando vejo aqueles animais enjaulados (alguns nas suas tristes vidas não chegam sequer a ver a luz do sol) aí sim imagino sempre a quantidade de horrores que sofrem e irão ainda sofrer até chegar o momento de alívio em que, finalmente, será terminado o suplício… Quando vejo as vacas e as ovelhas a pastar no Montemouro ou em qualquer prado verde fico contente por esses animais poderem ter uma vida que, apesar de tudo, ainda mantém a dignidade…
    Abraço
    Manuel

  5. jrf

    Eu critico muito o Cláudio, quando acho que devo criticar, mas digo-te que ele é uma excepção e um achado um bocado estranho. Uma vez disse-me que se dependesse dele matar os animais para se comer, bem toda a gente comia erva. Portanto já vês como é. É um bom rapaz.
    Que os animais dos quadros bucólicos do campo acabam no prato, só comecei a pensar muito recentemente. Embora já há muitos anos que me recuso a comer uma série deles (nomeadamente juvenis, tipo cabrito…). Mas, é um bocado impossível evitar esses pensamentos, quando às vezes são deixados para trás certos despojos do abate.
    De resto, a industrialização da alimentação é uma tragédia. E o que se faz aos animais é atroz. Já sem falar nos antibióticos e afins… A vida dos animais que andam livres, nem se pode comparar. E a qualidade das carnes biológicas também não. Mas já tentei imaginar como seria se eu tivesse animais ao meu cuidado… Como é que os poderia levar ao matadouro? É lixado. Vi um blog uma vez que descrevia este difícil processo para um casal acabado de chegar da cidade. Se o encontrar depois digo.

  6. Pedro

    JRF e Cerveira Pinto,
    é desta que combinamos um encontro? Parto para Cinfães na 2ª feira e fico lá até 6ª feira.

  7. cerveira pinto

    Caro Pedro. Parto ainda hoje para Boassas. Sábado, domingo e segunda-feira, se tudo correr bem (oxalá), deverei estar em pleno Bestança (longe de automóveis; televisão; electricidade; telemóveis; computadores; internet, etc). Depois, durante a semana deverei estar por Boassas, onde espero receber uns amigos de Espanha. Era óptimo que nos encontrássemos por lá. Combina com o José Rui e aparece… Ele tem o meu contacto. Acho que era óptimo. Fico a aguardar notícias vossas lá para terça-feira.
    Abraço.
    Manuel

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