As equações matemáticas em modelos (2)


Talvez por uma arrogância inconsciente [ :-P ] esqueci-me de escrever que outro motivo para as parametrizações é a limitação no conhecimento. Há processos que não se conseguem descrever através de fórmulas matemáticas fundamentais. Simplesmente ainda não se percebe para tanto.

Portanto, no primeiro poste falei das equações fundamentais e das parametrizações nos modelos climáticos. Neste falo de mais três importantes aspectos: os problemas de fecho, as aproximações e as representações. Espero não estar a ser maçuda…

3) Problemas de fecho
Parece-me que no poste “Mais modelos” o João Miranda aborda os problemas de fecho (“closure problems”). O que é isto? São problemas que surgem quando se aplicam as leis de dinâmica de fluídos (as tais equações fundamentais que eu enumerei no meu poste anterior) ao sistema climático. Como não se podem representar todos os processos no sistema, nas fronteiras do sistema e resolver todas as escalas, têm de se fazer escolhas.

O primeiro problema de fecho é devido a isto: A afecta B que afecta C -> D -> E -> F -> G -> H -> I -> J -> … A certa altura tem que se dizer basta. Tem que se decidir até onde vale a pena descrever o processo.

Segundo problema de fecho: O modelo descreve uma parte do sistema, mas há sempre processos exógenos a afectar a parte que descrevemos. Modelando todo o sistema Terra teriamos ainda que ter em conta os outros corpos celestes, seja a energia que nos chega do Sol ou as influências gravitacionais dos corpos celestes que rodeiam o nosso berlinde azul. O mesmo se passa com um modelo que simulando uma fracção terá que ter em conta outras partes que afectam a parte descrita. Só que há o que fica de fora e de novo tem que se decidir onde se pode dizer basta.

O terceiro problema de fecho deriva de processos dinâmicos de escala inferior que afectam processos dinâmicos de escala superior. Por exemplo: o efeito de mistura na camada superficial do Oceano é muito influenciada pelas rajadas de vento, com uma descrição matemática temporal diferente da descrição do vento médio que é o que normalmente é calculado. Assim, parameteriza-se a influência das rajadas na mistura superficial do oceano.

Assim, tendo em conta para que quer o modelo e as capacidades de cálculo à sua disposição, o modelador tem de decidir o que é essencial e o que é acessório. O último é ignorado ou parameterizado, consoante a sua importância para o modelo em causa.

4) Aproximações
Tem-se uma equação dinâmica fundamental, mas podemos simplificá-la quando um dos aspectos tidos em conta são irrelevantes. Exemplo na figura. A equação de momento é derivada da segunda lei de Newton. Expressa a aceleração local de uma parcela de ar (dv/dt). À direita têm-se as expressões matemáticas das forças que a afectam: a força de Coriolis, a força gravitacional, a força derivada de gradientes de pressão, a viscosidade e divergência de fluxo turbulento).

5) Representações
Isto refere-se ao sistema de coordenadas utilizado, i.e., como definir a posição espacial no teu modelo. A resposta à pergunta: onde está? Para definir as camadas verticais a estudar é mais fácil defini-las através de linhas de igual pressão (a pressão diminui com a altitude). A utilização de linhas de igual altitude (geralmente escrevo da atmosfera, pois é a minha área) conduz à necessidade acrescida de descrever a topografia como uma fronteira, para que não se façam cálculos subterrâneos [ :-D ] . A descrição horizontal também pode ser diferente. Podem-se usar coordenadas cartesianas (o mundo está dividido em rectângulos, que é o que temos nos mapas que usamos), o que não é problemático quando se modela localmente. Contudo, quando se modelam processos a nível global tem que se ter em conta a curvatura do planeta e assim utilizam-se as coordenadas esféricas. As equações matemáticas serão diferentes, não em “conteúdo”, mas em “forma”. :-)

Com o progresso dos computadores mais processos podem ser descritos com maior detalhe. Os diferentes modelos climáticos que existem têm diferentes estratégias. Por exemplo: nuns decidiu-se descrever os processos radiativos com maior detalhe, mas somente aproximar os fluxos de energia horizontais associados a ventos de escala regional. As próprias aproximações serão diferentes de modelo para modelo: a estratégia empírica (utilização de observações) ou a estratégia teórica (especificando as leis físicas envolvidas). Este é um exemplo. Cada parte de um modelo é uma construção específica e nisto posso concordar com o João Miranda escrever “A difícil arte de modelizar”.

O IPCC utiliza para os seus relatórios modelos diferentes (maior detalhe nos processos de radiação, outros maior detalhe nos processos dinâmicos, outros maior detalhe na formação de nuvens… O facto de todos eles convergirem para uma conclusão -> aquecimento global a níveis climaticamente preocupantes fortalece-a. É como se em tribunal várias testemunhas com diferentes proveniências dessem todas a mesma versão dos acontecimentos…

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