A pavorosa saga dos incêndios…

É irreversível; é recorrente; é lastimável; é combatido (?) por todos os governos, mas continua a existir até haver que arder: a saga dos incêndios em Portugal.
Na descida do Bestança 2006 constataram todos (140) os que participaram que a água do Bestança a jusante da foz do Barrondes estava cinzenta, toldada por um aluvião de cinza e saibro que, em virtude das fortes chuvadas do dia anterior atingiram o caudal do rio. A cinza, resultado de um incêndio na encosta acima das fragas da Talisca, derivou, vertente abaixo, arrastada pelas chuvas toldando a limpidez da água e contribuindo para a morte lenta das espécies piscícolas do rio, como a truta; o saibro, resultado de um estradão aberto clandestinamente, a montante do Prado, para tirar a madeira queimada. Quer dizer: arde o coberto vegetal, esventra-se a terra e os reflexos aparecem no rio fruto de uma erosão impiedosa onde a regeneração será – é o que se tem visto – quase impossível dado que outros fogos acontecerão vitimando as árvores que crescem naturalmente, já que não se prevê qualquer programa de reflorestação em terrenos particulares.
No Domingo aconteceu em Boassas outro incêndio. O aparato foi muito e a dada altura quase se logrou apagar quando ainda havia pouca área ardida. Depois atearam uma espécie de contra-fogo e… ardeu tudo. Hectares e hectares calcinados. Um deserto negro.
Que, enfim, o vento era forte, o helicóptero avariou depois de descarregar dois baldes de água. Não havia nada a fazer. Ardeu literalmente tudo. É isto: o conformismo tão bem retratado no livro “Tiago – O Fatalista”, de Diderot.
Será o fatalismo a determinar a perda da nossa floresta perante a passividade e conformismo das gentes que ainda se não aperceberam da gravidade da situação. Quanta área ardida? Quantas árvores dizimadas? Para o ano serão anunciadas mais e melhores medidas de combate a incêndios e muitos milhões de euros para calar vozes.
Não bastará como não bastou até agora. Pensemos nisto e no que fazer para recuperar a floresta.

Uma resposta para“A pavorosa saga dos incêndios…”

  1. Lowlander

    Tem duas alternativas:

    Alterar as temperatura e humidade relativa médias na época de Verão ou plantar espécies adaptadas ao clima da região.
    Esqueci-me de uma terceira: emigre como eu. Aqui as florestas são deixadas ao Deus dará bem como os relvados, the bloody weather, encarrega-se belissimamente da prevenção de incêndios.

  2. José Rui Fernandes

    Como deixa antever e concordo, o combate dos governos é um desgoverno. De resto, eu continuo a ser um grande defensor do castigo após o crime e enquanto a justiça e a autoridade do Estado andarem ausentes em parte incerta, não há combate que resista.

    Ainda bem que fala da água cinzenta, porque já li especialistas a garantir que a erosão provocada pelos incêndios é coisa de pouca monta. Se as chuvas se seguirem e forem fortes, julgo que não será necessário ser especialista para observar os resultados. Aliás o Vale do Bestança tem zonas “carecas” que me informaram já terem sido cobertas por árvores.

    Quanto a Boassas, tenho muita pena e não sabia que mais uma vez o fogo rondou a aldeia… O que descreve não tem classificação e denota no mínimo grande ignorância de quem combate o fogo. Também o ano passado no Sargaçal, deram o incêndio como extinto e tinha ardido pouco; ardeu muito foi depois. A tão falada formação (e respectivos dinheiros) anda por aí a borboletar.

    Pode-se sempre ir plantando, fazer também como o senhor Segadães, que recolhe os carvalhos bravios para depois plantar em locais viáveis. Eu próprio vou começar a fazer isso com carvalhos e castanheiros, mas tenho como certo que arde sempre mais do que cresce; já sem falar na vida que demora a formar um bosque para arder em poucas horas.

    O fatalismo das gentes também acaba por ser uma consequência do fatalismo que se tem falado antes e da desertificação dos lugares. Nestes locais já faltam as forças para combater incêndios e reflorestar. Tenho-me apercebido disso.

    Caro Lowlander, no Vale do Bestança o pinheiro e eucalipto é residual. Há castanheiros, carvalhos, amieiros, freixos, salgueiros… São adaptadas que chegue? Quanto às restantes sugestões, obrigado, por nada.

  3. Lowlander

    “Há castanheiros, carvalhos, amieiros, freixos, salgueiros… São adaptadas que chegue?”

    Obviamente que nao porque o clima esta a mudar.

    “Quanto às restantes sugestões, obrigado, por nada.”

    De nada.

    Mas vejo que lhe escapa o alvo da ironia. Os incendios florestais nao sao nem um mal exclusivamente portugues nem resultado fatal de uma mafia piromana. Observe os EUA, a Australia e outros e vera como recursos financeiros aparentemente ilimitados e justicas eficientes nao resolvem o problema. Observe os paises do Norte da Europa onde a floresta sem fins lucrativos e simplesmente negligenciada e visitantes das mesmas tem praticas criminosas com churrascos, fogueiras, etc e vera que os seres humanos se comportam de forma admiravelmente uniforme em todas as latitudes dadas as mesmas circunstancias.
    A floresta sempre teve de lidar com o fogo e a floresta adapta-se muito bem se a deixarem em paz e lhe derem tempo, o problema surge quando humanizamos de forma nao planeada a floresta ou o clima, em cujo caso ocorrem consequencias imprevisiveis nos mecanismos de controlo. Ora se foi falta de planeamento que criou o problema, essa falta tera de ser colmatada. Combater efeitos sem buscar as causas e contraproducente. A agua e todos os outros recursos usados no combate a incendios sao escassos e com custo ambiental e quanto a justica, melhor do que combater o crime e prevenir.

  4. Jorge Ventura

    Penso que devemos tratar as coisas sérias com seriedade, doutro modo cairemos ou no laxismo ou no fatalismo que, penso eu, devemos combater.
    Uma coisa que me surpreendeu foi ver as pedras do Bestança, pese embora a correnteza, cobertas da tal mistura de cinza e saibro, sinal de que as águas iriam ficar impregnadas dois ou três dias. E quando voltar a chover, pode ser que aconteça de novo.
    Isto vi numa pequena escala. Mais impressionante aconteceu há dois anos no Vale do Paiva que ardeu todo e com o rio a pagar os custos ambientais.
    Resta acrescentar que foi a água do Bestança que se captou a jusante da ponte de Pias para abastecimento da população da Vila e de Boassas.
    Emigrar? Não poderemos nunca voltar as costas ao futuro dos nossos filhos. Por pouco que façamos, nunca nos envergonhemos disso. Às vezes os mais ricos e civilizados também aprendem com os mais humildes e com as lutas que travam na defesa do que é de todos.
    A prevenção é a melhor arma no combate a incêndios. Prevenir que dizer limpar as matas que cada um possui. Sou de opinião que a criação de um sistema punitivo para quem neglegenciasse a limpeza das suas propriedades – agora que até há subsídios para o efeito – contribuiria para a diminuição drástica dos fogos no Verão.
    Depois, penso que o combate a incêndios tem de ser feito por gente com formação profissional e não apenas por pessoas – louváveis, é certo – cujo única preparação é o voluntarismo.
    A punição efectiva dos prevaricadores e a selecção de imagens nos meios de comunicação social ajudariam por certo, também.
    E claro que devemos continuar com as campanhas de sensibilização, mas sem descurar a punição, já que só com a ameaça de coima ou multa é que as ordens são acatadas.

  5. José Rui Fernandes

    Obviamente que nao porque o clima esta a mudar.

    Obviamente que nesse caso então, nada está adaptado. Para Portugal o que sugere? Mais eucaliptos e acácias?

    Os incendios florestais nao sao nem um mal exclusivamente portugues nem resultado fatal de uma mafia piromana.

    Está demonstrado que existe uma indústria dos incêndios em Portugal.
    Os exemplos da Austrália e EUA são óptimos (principalmente a Austrália com as suas muitas espécies adaptadas ao fogo e até dependentes dele — o que não quer dizer que não existam também tragédias em muitas partes do país). Mas vamos para mais perto. Espanha, França, Grécia, a bacia do Mediterrâneo. Veja os números e compare com o nosso país. O civismo por cá passou e andou, essa é que é a realidade.

    Agora é evidente, que se chover, há menos e menores incêndios. No Norte da Europa geralmente acontece isso.

    O diagnóstico da floresta portuguesa está mais que feito. Há teses incontáveis sobre o assunto, que falam das causas todas e ainda mais algumas. A prevenção está à vista de toda a gente. Acho que se deve continuar a atirar dinheiro para os problemas, pode ser que algum apareça resolvido um dia destes.

    Sou de opinião que a criação de um sistema punitivo para quem neglegenciasse a limpeza das suas propriedades – agora que até há subsídios para o efeito – contribuiria para a diminuição drástica dos fogos no Verão.

    Eu tenho dúvidas, mais uma vez devido à desertificação. Antigamente não existiam florestas a monte, porque até o mato tinha valor, num ciclo de aproveitamento e reaproveitamento do que a terra dava. Chegados a este ponto, em que é de facto irreversível o abandono dos campos, é necessário um novo paradigma para encarar a floresta. O inevitável turismo (que também não vai ser panaceia para todos os males do país) na vertente ambiental; as centrais térmicas de biomassa; composto comercial a partir de resíduos florestais; tem de se reinventar uma nova forma de rentabilizar a floresta que não passe só pelas empresas de celulose e de madeira.
    Eu acho que no presente, proprietários activos, com força e dinheiro, não deixam as propriedades a monte; os mais velhos, já não podem; os herdeiros, já a viver no litoral, não ligam pevide, muitas vezes nem sabem o que têm… Acho que mesmo multando e na prática obrigando a vender, o mercado não iria absorver toda essa oferta de terrenos, que são no fundo um encargo.

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