É preciso ter cuidado com esta paranóia do ambiente
Os liberais à portuguesa, são personalidades singulares. Pensam pela sua cabeça, cultivam (passe a expressão) opiniões muito diversificadas sobre uma série de assuntos, sobre os quais exibem um leque de conhecimentos invejável. Atente-se que só n’O Insurgente são 24 e quando o assunto é “aquecimento global”, toda aquela singularidade vem ao de cima em textos copy/paste de enorme criatividade. Por outro lado, quando o assunto é “ambiente”, o que se nota é que estão muito bem informados, sabem da poda (passe a expressão), não têm preconceitos e é onde realmente se nota as diferenças que os unem.
Já os ambientalistas e em geral pessoas que por pensamentos, actos ou omissões, conspiram a favor da poderosa indústria do ambiente, não passam de uma mole de invertebrados de pensamento único, que nem nos confins do império do mal alguma vez se pode encontrar igual ou parecido.
Os desígnios da conspiração ambientalista são insondáveis, qualquer desmiolado pode ser levado a praticar actos inomináveis, como por exemplo desejar comer fruta nacional, não fosse gente como Henrique Raposo no blogue Atlântico.
Lavra o distintíssimo, que passou na RTP 1 uma miúda gira a dizer — “transportar uvas da América Latina polui o ambiente”.
Daí até ao título deste texto, foi só mudar de parágrafo, deixando uma linha de intervalo. E continua… “idiota argumento”, “ajudinha à PAC e aficionados” — como aqui não somos tão cultivados (passe a expressão) explico que a PAC é a Política Agrícola Comum –, “ambiente é, assim, transformado numa arma ao serviço do maior disparate da política internacional” (assim não nos entendemos, pensei que apesar da arma ser a mesma, Quioto é que era o maior disparate), “proteccionismo”, “o jogo sujo da economia ocidental”, “santo graal”, o melhor é lerem tudo.
Eu não vi, mas a miúda gira devia estar a referir-se aos “quilómetros da comida”, um assunto que deve preocupar as pessoas com alguma consciência ambiental. Faz pouco sentido a comida vir do outro lado do Mundo. Faz menos sentido, ser produzida na europa, ir para a China para processamento e voltar à Europa para ser consumida.
Relativamente à fruta e legumes, nem é necessário ter consciência ambiental para rapidamente concluir que só há vantagens em consumi-la o mais próximo possível do produtor (tratando-se de variedades adaptadas ao clima da região e do país). Isso e não estar ceguinho por uma sanha anti-ambiental com herança sabe-se lá de onde.
São alimentos mais frescos e são mais nutritivos. Se os produtores forem de perto, pode-se consumir os alimentos menos de 24h depois da colheita.
Sabem melhor, não é necessário explicar mais. É fazer a experiência.
Têm mais tempo para amadurecer e como têm pouco manuseamento e trânsito, podem ser colhidos realmente na altura própria.
É melhor para o ambiente, porque entre outras coisas, não existem as emissões do transporte de longa distância (a grande heresia!).
Mantém-nos em contacto com as estações do ano, consumimos o que há na época própria e a melhores preços (há quantidade).
Consome-se mais variedade e não só o standard que os grandes produtores impuseram, escolhido mais pelas suas características de resistência e conservação, do que sabor ou valor nutritivo.
A miúda gira, por isto, levou logo a carimbadela de “ambientalista proteccionista”, amiga da “PAC e aficcionados”. Para mim, consumindo também biológico e (pasme-se) produzindo alguma coisa, imagino que não existam carimbos que cheguem lá no blogue Atlântico e talvez até no Mundo.
Ultimamente lembro-me frequentemente do saudoso Archie Bunker.
Uma resposta para“É preciso ter cuidado com esta paranóia do ambiente”
Isto é muito fora da minha zona de conforto, mas que diabo arrisco uma ou duas opiniões.
Primeiro, acho eu que o comércio justo pretende abolir as grandes ajudas comunitárias aos agricultores para que todos possam competir num mercado livre e justo. Portanto parece-me que a chamada para o artigo do Der Spiegel é um pouco falaciosa (por parte do blogue Atlântico). Também me parece que o objectivo do comércio justo é permitir o acesso a produtos de países longíquos e produzidos por pequenos produtores que assim conseguem escapar ao jugo das grandes companhias e retirar do seu trabalho um lucro justo. Comparar o trabalho de uma pequena empresa familiar no Perú (ou até em Portugal) que planta café, com as grandes empresas mundiais que o fazem a larga escala é distorcer um pouco (muito) a questão. O objectivo do comércio justo é permitir o acesso a produtos que não são produzidos cá e ajudar os seus produtores.
Não poderia estar mais de acordo contigo Rui quando dizes que a fruta e os legumes devem ser consumidos os mais perto possível da sua origem, permitindo assima conservação de todas as suas propriedades organolépticas. Mas nem tudo pode e deve ser produzido cá, por razões ambientais e não só. Lembro-me do café, da mandioca e do coco, por exemplo.
Mas fico espantado com o que vejo e leio para aí, disfarçado em artigos de economistas liberais que acham que o futuro do mundo depende deste sistema económico de consumismo desenfreado, e que temos todos que o usufruir até à exaustão. Exaustão dos recursos naturais, àgua potável, combustiveis fósseis, tudo o que te vier à cabeça esses senhores do Insurgente querem delapidar a bem do seu santo graal: o capitalismo. De preferência desenfreado, repito.
Mas vamos ter esperança que a consciência ambiental comece a nascer nas pessoas e tens feito um trabalho admirável para ajudares a despertar essas consciências.
Não fales do comércio justo, isso é mais uma de estimação dos liberais à portuguesa.
Por isso disse “tratando-se de variedades adaptadas ao clima da região e do país”. E o contrário também, há produtos a serem produzidos em países de mão de obra barata, não tendo este factor em conta, à custa de adubos, herbicidas e pesticidas.
A consciência ambiental começa a nascer quando a carteira ou a pele for afectada. Até lá não me acredito.
Não é um trabalho assim tão admirável.
Em relação ao comércio justo, reconheço o meu desconhecimento por isso só posso falar do que tenho visto na imprensa. Não sou cliente das lojas de comércio justo.
Estamos de acordo em relação à importação de fruta e legumes, nomeadamentec das espécies que são plantadas também cá: as uvas, as cerejas, o kiwi, a cebola, a batata, etc. Não são boa opção em todos os sentidos.
Mais uma vez estamos de acordo no que toca à consciência ambiental. Mas com teorias como o capitalismo liberal, que defende o consumo como motor do desenvolvimento não vamos lá; no entanto são esses jovens empresários liberais que andam no último carro da moda (de preferência um SUV com emissões de CO2 superiores a 300 g/km), que não se importam de comprar artigos importados e que depois estranham que é difícil entrar no mercado espanhol. Claro, porque os espanhóis consomem preferencialmente artigo feito em Espanha e têm orgulho nisso e na expansão das suas empresas. É isso que faz cá falta, empresários (sejam eles agricultores ou do sector tecnológico) que tenham orgulho nos nossos produtos, que os usem e que levem as suas empresas além-fronteiras. E que tenham consciência ecológia, se não for pedir muito.
Se calhar é o tipo de mentalidade tipicamente do pato-bravo, que é construir hoje, enriquecer amanhã e abandonar o negócio antes que se descubra que construiu um empreendimento em reserva agricola e que os compradores descobram que a seguir lhes vai passar uma autoestrada a 50mt das suas habitações de luxo, que muitas vezes não passam o primeiro inverno sem infiltrações, que é conveniente acabar, e depressa, a bem deste nosso país. Não tenho nada contra o enriquecimento de quem arrisca mas sou contra o enriquecimento de alguns em detrimento do que é de todos: a natureza, as reservas agricolas, o litoral, etc. Sou a favor da agricultura nacional, do nosso turismo, mas tudo tem limites: chega de tentar meter um campo de golfe em Montesinho, chega de estâncias de Inverno na Serra da Estrela que não têm neve, chega de incêndios na Peneda-Gerês.
Chega portanto de esbanjar dinheiros públicos em projectos sem viabilidade a médio prazo (tipo estância Vodafone na Serra da Estrela) e basta de atirar areia aos olhos com os projectos PIN. Temos excelentes condições para o turismo, bons produtos agricolas, empresas tecnológicas a trabalhar para a NASA, então o que está a falhar? Todos como colectivo ou não temos liderança à altura dos nossos desafios?
O que eles dizem do comércio justo (e alimentos biológicos) é que as mais valias ficam todas nos intermediários e só os patos é que os consomem. Têm alguma razão na primeira parte.
Mas no livro “O Economista Disfarçado”, tem dados sobre o comércio justo, contrariados por outros que já vi.
É uma das tragédias da idade da informação: Cada vez menos informação e cada vez mais incerteza sobre tudo. Cada notícia tem a sua anti-notícia, cada informação tem a sua anti-informação, cada facto o seu anti-facto.