Lá vamos nós outra vez… BP P.L.C.
Devo dar luta, porque os meus comentários passam a vida na primeira página do Ambio. Um destaque que me desagrada por acaso. Porque um post é um post. Um comentário é um comentário. Uma frase ou um parágrafo de um comentário que foi retirado do seu encadeamento… é o que é. Veja-se este exemplo.
Numa sequência de comentários descontraídos onde se fala de mecenato, pergunto-me se por exemplo a BP necessitada de renovar a imagem começar a distribuir umas verbas pelas ONG, se estas devem aceitar ou devem continuar os ataques em nome de valores que são necessariamente intangíveis.
O exemplo é apenas pela actualidade, não por ser a BP. Poderia ter dito Exxon, Dow, ou mais perto EDP ou BES. É indiferente. A minha opinião é que qualquer organização ambiental ou não, passa mais tarde ou mais cedo por este dilema e algures há-de estar traçada uma linha. Em certos meios, pode ser a diferença entre corrupção e honestidade. Noutros, entre coerência ou contradição. Noutros talvez entre o purismo radical ou a flexibilidade. E noutros ainda, entre a venda de princípios ou a fidelidade. Que há de estranho nisto? Para mim era esta a discussão interessante, tentar saber onde se poderá traçar a linha e de que forma isso afecta a credibilidade das entidades ambientalistas. Porque alguma consequência tem. Não para o inevitável Henrique Pereira dos Santos.
Ora eu, pobre ignorante em todas as questões ambientais, disse-lhe que não estava interessado em discutir a confissão “que não percebe por que razão se deve atacar a BP”. Não merecia resposta sequer. E o HPS, como é inteligente e já me topou à distância, tratou logo de me acusar de demagogo puro. Continua a não merecer resposta, mas vou-lhe responder. Porque até aqui foi só a introdução.
Vale a pena olhar para ela [para a minha frase sobre aceitar verbas da BP] porque tem implícitos alguns dos fantasmas típicos do financimento das ONGs em Portugal.
O primeiro (aliás no seguimento da discussão anterior sobre as críticas concretas ao BES, que afinal se reduzem à afirmação de que todos sabemos do que estamos a falar, sem ser preciso concretizar) é esta coisa notável: “se devem continuar os ataques” (à BP). Confesso que não percebo por que razão se deve atacar a BP.
O HPS é muito sensível ao BES. Não se pode falar do BES. Aqui é completamente irrelevante além de lateral nesta fase (mas não para a discussão do financiamento das associações nacionais, talvez depois).
Eu tenho o HPS por ambientalista. Se não é, que me desminta. Nesse sentido é um original à escala universal. É o único que não percebe porque razão se deve atacar a BP.
A BP é uma empresa enorme, daquelas grandes demais para falir, com uma longa história a trabalhar numa área muito prejudicial para o ambiente. Ora, os ambientalistas e as suas associações, habitualmente defendem… huh… o ambiente. O que não se percebe é a surpreendente confissão do HPS. A BP prejudica… hã… naturalmente o ambiente, mas além disso tem um registo que está documentado designadamente na Wikipedia. Coisas concretas.
Uma das quais ninguém que alguma vez leu duas linhas sobre ambiente pode ignorar: as areias betuminosas do Canadá. Um método de produzir petróleo que emite muito mais gases com efeito de estufa que a perfuração, mas que se tornou lucrativo com a alta do preço do petróleo. Um projecto que já foi apelidado “The Most Destructive Project On Earth” (PDF do Environmental Defense do Canadá). Ou “The biggest environmental crime in history” (The Independent).
Na Wikipedia também tem os eventos mais importantes no historial de segurança da empresa. Um historial um pouco menos que estrelar. Se o HPS não sabe porque se deve atacar a BP, acho francamente que o problema é dele, como gestor da sua própria credibilidade enquanto ambientalista.
A BP é responsável pelo que parece ser um desastre ambiental de grande magnitude? Sim, é. Essa responsabilidade vem de alguma actividade ilegal? Não. A BP recusou assumir essa responsabilidade? Não. O desastre vem de negligência? É preciso apurar, mas até agora não vi nenhuma demonstração disso, nem ninguém responsável a afirmá-lo preto no branco.
Parece ser? Quando a miopia atinge proporções “insurgentes”, o problema nem é dos óculos, nem eu discuto.
Se vem de alguma actividade ilegal, designadamente no que diz respeito às normas de segurança, é bom saber que o HPS já sabe que não. Certamente tem fontes que eu não tenho.
Responsabilidade… para já tem sido tudo muito lindo. Os valores que se falam (50.000 milhões), só por si dão para imaginar a dimensão da catástrofe, mas o Henrique não tem imaginação para tanto. Há precedentes muito maus, designadamente no caso Exxon Valdez. Também limpavam tudo e pagavam tudo, mas andaram 20 anos nos tribunais a discutir aquilo que hoje representa menos de uma semana de trabalho para a Exxon (5.000 milhões, digo de cabeça). Negligência não sei, mas o que sei:
- Algo correu muito mal na plataforma, morreram 11 pessoas e outras 17 ficaram feridas. Está a causar prejuízos incalculáveis às populações e danos ambientais duradouros, que para muitas espécies já sob grande pressão podem ser irreversíveis.
- A BP minimizou desde o início a dimensão do problema. Eram 1.000 barris por dia, depois 5.000 barris. Hoje admitem 100.000 barris por dia que vão para o oceano. De facto “parece ser” grande.
- Todas as acções tomadas foram com base num optimismo exagerado e sem qualquer base. Passados mais de dois meses, o problema mantém-se de extrema gravidade.
- Só apertados divulgaram os vídeos do derrame que serviu logo para contestar os números oficiais.
- A situação não estava prevista e se o estava era de um modo extremamente negligente, incompetente ou ambos.
- De uma forma ou de outra os parceiros da BP na plataforma acusam a empresa: “gross negligence or willful misconduct.” (Wall Street Journal).
- Usaram disperçantes altamente tóxicos. A EPA (Environmental Protection Agency) acabou por ordenar que os mudassem. De uma forma ou de outra a quantidade utilizada é imensa, consta que 1/3 do stock mundial já está no mar.
- Barraram o acesso aos jornalistas.
- Há uma forte probabilidade de a empresa falir e como é grande demais vai arrastar tudo à sua volta, desde outras empresas a pequenos pensionistas britânicos. Acho que se chama a isso globalização.
Mas mesmo assim é um dado adquirido que é preciso atacar a BP porque provocou um desastre ambiental. Por essa ordem de ideias era preciso atacar cada um de nós que todos os dias é co-responsável pela pressão sobre os recursos que existe.
E chama aos outros demagogos (puros). Cabe a cada um de nós querer ter essa consciência ou não e querer minimizar essa pressão ou não. Agora, pelo facto de respirar não poder criticar a BP ou alguma vaca sagrada da biodiversidade nacional (não vou dizer nomes), era de facto bestial. E depois esta pseudo-ingenuidade de querer fazer passar que a pressão do cidadão comum é comparável à pressão de quem tem o poder e decide de facto os destinos das coisas… pff.
Ninguém ganha boa imagem consistentemente ao longo do tempo simplesmente a distribuir dinheiro por ONGs.
Nesta acertou. Vejamos… a BP um belo dia resolveu que um logotipo mais parecido com o Green Party do Canadá seria adequado aos tempos em mudança… comissionou os melhores, a Landor. E saiu uma espécie de Sol verdejante. Ao tempo consta que custou $200 milhões a mudança. A isso acrescem milhares de milhões gastos em relações públicas, publicidade (The Times) ou recentemente em “comprar” palavras na internet para condicionar os motores de busca quando se procura “oil spill”. Mal seria que conseguissem mudar a imagem só a dar tostões a ONG.
Mais caricato é que esta mudança de imagem, a todos os níveis muito bem orquestrada, serve um outro propósito: tudo o que é idiota diz agora que a BP é uma empresa “ambiental” (ao que isto chega) que em conluio com os perigosos ambientalistas, basicamente querem dominar o Mundo. À conta da gestão de imagem da BP, blogues como um tal de Ecotretas, atacam o ambiente porque a BP financia grandes organizações ambientalistas. Sem uma única ideia original, esse tretas é original numa coisa: dá como referência o Henrique Pereira dos Santos (Ouch! — Entretanto zangou-se, chamou-lhe cobarde e pronto).
A imagem é tão poderosa que na mente destes básicos, a BP é uma empresa “democrata” que praticamente meteu o Obama na Casa Branca, que aliás é acusado pela improvável Sarah Palin de agora ter as mãos atadas por causa disso mesmo. Mas desde 1990, 78% do dinheiro foi para os republicanos e 22% para os democratas (Wikipedia).
As ONGs não têm de saber se estão ou não a contribuir para a limpeza da imagem seja de quem for, têm é de avaliar se os compromissos associados aos apoios são incompativeis ou não com o que fazem e com a sua independência.
Ou seja, a ONG micro analisa a empresa na rubrica que lhe interessa, esquecendo tudo o resto. Isto é credível e contribui para a credibilidade de alguma coisa ambientalista? Boa sorte.
A BP rebenta com o Golfo do México, mas a imagem fica um pouco desgastada. Talentosamente, resolvem contribuir para a conservação do Peixe-palhaço (o Nemo) e a Associação dos Palhaços que Protegem Peixes (A3P) fica toda… huh… sorridente, passa o respectivo recibo em nome da transparência e aceita. Infelizmente, isto deve-se passar diariamente. Aceito.
O que não aceito é estar associado a esses palhaços, no caso concreto. Para mim e para os princípios que a custo ainda vou mantendo, é lepra. Quero distância e mais nada.
Por exemplo, no caso do Grupo Espírito Santo (que é diferente do BES mas isso é um problema de identidade que o grupo deveria saber resolver), eu posso discordar, como discordo, da QUERCUS no que diz respeito aos sobreiros do caso Portucale e ao mesmo tempo achar razoáveis as críticas da QUERCUS ao grupo. Isso não impede a QUERCUS de ser parceira (e aí também discordo numa troca exacta de posição com a QUERCUS nos dois processos) do grupo no projecto da Comporta. Uma coisa condiciona a outra?
O BES para mim, pelo que sei, entraria na minha zona de dúvida que expressei de início. Teria de analisar melhor os assuntos e decidir se queria ser purista ou flexível, ou se entraria em contradição, ou se ia comprometer algum princípio indiscutível.
Eu acho que não, mas se condicionar esse é um problema de falta de espinha da QUERCUS e não um problema do BES.
Como é evidente!
Os ataques devem existir porque se entende que são justos, não porque se gosta ou não de uma determinada empresa (ou menos ainda de um detrerminado sector de actividade sem o qual estaríamos todos a perder).
Ninguém falou em ataques injustos, nem poderia, porque não os conheço.
Eu não tenho nada a ideia de que se possa generalizar a acusação de que as ONGs que recebem dinheiro das empresas ficam, simplesmente por esse facto, irremediavelmente condicionadas na sua actuação face a essas empresas. Eu tenho ideia de que há muitas ONGs com a espinha direita.
Isto é uma simplificação grosseira de um dilema que pode ser complexo. Mas há exemplos tão evidentes, como o dos peixes que dei acima que custa-me a crer que exista quem não entenda. A menos que se considere que as ONG devem ser umas massas amorfas e acríticas fora da área de influência do seu projecto e principalmente amorais, com um determinado objectivo, a micro gerir esse objectivo sem problemas de consciência (porque não a devem ter entenda-se).
Passa pela cabeça de alguém que a igreja católica do bairro aceite donativos dos grupos pró-aborto, eutanásia, gays e lésbicas pró-casamento e outros que vão contra os seus princípios fundamentais? Que os pacifistas aceitem donativos da National Rifle Association? Que os ambientalistas sejam financiados pelos maiores destruidores do ambiente, pelas empresas que no seu âmago (core business) só prejudicam o ambiente? Suponho que passe pela cabeça de mesmo muita gente.
Por exemplo, a urticária em relação ao BES e à EDP, que investem de facto em biodiversidade (sejam quais forem as suas razões para isso) e a benevolência em relação à GALP e ao BCP (que não investem nada em biodiversidade, apesar das suas imensas razões para isso).
O Henrique sabe que no caso da EDP há umas barragens a chatear (Sabor e tal) e a mim pessoalmente chateia-me a campanha vagabunda que num país civilizado não passaria por ser radicalmente enganosa. Parece que também a EDP não se fia só na biodiversidade e investe fortemente no marketing e no engano dos portugueses.
Quanto ao resto, por maioria de razão, digo-lhe o seguinte: em vez de perder o seu tempo a criticar os poucos que fazem alguma coisinha pelo ambiente em Portugal, dedique-se à Galp e ao BCP. E ao BES, pois pareceu-me ter lido que tem duas dúzias de motivos para os criticar. Esperançado, até fui aos arquivos do Ambio… só elogios. É biodiversidade às carradas. A única quase-crítica que lá vi foi do Miguel B. Araújo, com nota prévia…
Nota: Eu podia ser muito mais rigoroso, designadamente na citação das fontes e links. Mas isso consome-me uma quantidade de tempo incompatível com o benefício que a maior parte dos leitores retiram desse rigor. Escrevo de boa fé, muito de cabeça e não terei, como nunca tenho, qualquer problema em corrigir os erros que eventualmente apareçam.
Uma resposta para“Lá vamos nós outra vez… BP P.L.C.”
A demagogia pura referia-se ao incrível destaque dado ao passeio de uma pessoa num fim de semana ao fim de dois meses de pressão constante.
henrique pereira dos santos
Isso quer dizer que over-reagi? Acontece-me muito!
Mas também não considero pela seguinte razão: as populações costeiras não têm descanso ao fim de dois meses de pressão constante. Aqueles pobres ecossistemas não têm descanso ao fim de dois meses de pressão constante.
Aliás, estive a pensar e acho que já o li a falar de gestão de risco com bons argumentos que se aplicam como uma luva a este caso. Era uma outra abordagem interessante.
Mas, a sua costela liberal, não o deixa. Espero que um dia destes repare que se teoricamente o liberalismo tem muito de aproveitável, cá em Portugal a tendência é para andar muito mal acompanhado. E se alguém lhe agradecer essa sua visão única para o ambientalismo, vai ser do calibre dos tretas.
Excelente post caro JRF.
Acho absolutamente extraordinario que alguem seja capaz de afirmar com cara seria que um desastre deste calibre e possivel sem haver violacoes grosseiras da lei aplicavel (ambiental, seguranca e higiene laboral).
Obrigado Lowlander… já se sabe que eu vivo para agradar aos meus estimados leitores!
Tudo é possível, mas que há uma gestão de risco grosseira e inaceitável, não há dúvida.