Carne de cavalo
Esta história da carne de cavalo é completamente inevitável. Não no nosso prato ainda, mas como estão as coisas, no prato de muita gente. Primeiro uma marca como a Findus… que é a Findus? Não é nada. É uma marca. De origem Sueca, depois da Nestlé até o ano 2000. A partir daí, da Nestlé na Suíça, da Lion Capital LLP, Highbridge Capital Management e JPMorgan Chase (já ouvi este nome em qualquer lado, mas agora não sei dizer exactamente onde) na maior parte da Europa. Na Itália é de um tal Iglo Group. Em Portugal é da Ardo (quem?). A fonte é a Wikipedia.
Depois há a questão de quem fornece o quê. Não há dúvidas que aos supermercados chega uma caixa vistosa e além de Findus diz “lasanha de carne de vaca”. Mas parece que afinal o que está lá dentro é feito por uma Comigel de França. Mas quem fornece a carne à Comigel é a Spanghero de França. “Esta, para encomendar carne na Roménia, usou duas outras companhias: uma em Chipre, que por sua vez contratou outra na Holanda, que finalmente fez a encomenda a um matadouro na Roménia” (Público, o Guardian conta melhor o envolvimento da empresa holandesa, já condenada anteriormente). Numa apurada demonstração de cinismo a Findus (ou seja, relembro, a Lion Capital LLP, Highbridge Capital Management e JPMorgan Chase, entre outros) diz que há duas vítimas, eles próprios e o consumidor. Este consumidor, diz que a Findus, no mínimo, devia saber o que está dentro da caixinha. E só estamos a falar da carne, o escândalo do momento, o resto da mixórdia também deve ter uma história capaz de fazer chorar os investidores e o “mercado”, principalmente se for investigada.
Em conversa, fico siderado com a quantidade de pessoas que julgam que tudo se resume a que há muita gente que come carne de cavalo, a carne de cavalo não faz mal e outras opiniões absolutamente a quilómetros do que está aqui em causa. Primeiro vem ao de cima uma comovente fé na humanidade, que infelizmente entra um pouco em contradição com o facto que parece ser principal e inegável. Por alguma razão, acreditam que a carne é de cavalo mas não de uma pileca qualquer. Nada disso. Só são trituradas pilecas de primeira categoria, praticamente melhor que a anunciada vaca, que de qualquer modo não passará de “pink slime” (Wikipedia).
Um negócio destes só será rentável e compensará o risco se a diferença de preço entre a carne de vaca — já de si de qualidade mais que duvidosa —, e a carne de cavalo for enorme. Portanto, desconfio que os cavalos abatidos para esta carne serão animais estropiados, doentes, velhos, carregadinhos de antibióticos e analgésicos. É absolutamente delirante que se julgue que estes factores sejam controlados ou travem os indivíduos e entidades envolvidas no negócio. Aliás, escrevi isto antes de investigar e fica mais um completo artigo da Wikipedia (o escândalo ganhou estatuto suficiente para ter um artigo próprio).
Além da carne de cavalo, também há lasanhas de carne de vaca que afinal são de carne de porco. Qualquer pessoa com o mínimo de senso, terá de questionar a razão porque tão diversos ingredientes dão origem ao mesmo produto que por obra de algo que não deve ser menos que o milagre da multiplicação da carne de vaca, sabe tudo ao mesmo.
As grandes superfícies, com a avidez de preços baixos lucros a qualquer custo que as caracteriza, estão na origem disto tudo. São elas que exigem, esmagam a pecuária e a agricultura nacionais, são elas que escoam e em última análise enganam o consumidor. Se eu comprasse uma lasanha Findus adulterada, não valeria a pena mandarem-me falar com a Findus, ou Ardo, ou JP Morgan Chase, nem com o vigarista holandês ou com os romenos. Portanto, não vale a pena falarem em “altos standards”, “qualidade” e outras tretas dessa grande conquista da humanidade que é o “marketing”. Deixam de vender durante uns tempos a marca que está minada e vendem outra igualzinha, dos mesmos “investidores”.
A minha opinião é que no nosso país, na nossa comunidade, na nossa família, ainda não é tarde para ter um mínimo de dignidade à mesa. Comprar nacional, comprar local, comprar a produtores conhecidos ou com quem se estabelecem relações, comprar biológico se possível (hoje não considero um factor mais importante que o local), comprar produtos frescos, evitar produtos que não se degradam naturalmente, evitar como a peste comida processada e estas pseudo-refeições pré-cozinhadas. Dar um passo atrás neste chamado progresso. Passar por este Mundo pelo menos sem ajudar a torná-lo pior que o que já está. No essencial, ainda somos nós que controlamos aquilo que comemos. Só come carne de cavalo e coisas piores quem quer e mesmo se for o caso, que venha etiquetada. Ao menos isso.
Uma resposta para“Carne de cavalo”
É também por tudo isto que eu continuo e continuarei a ser cliente do talho da minha terra. A carne pode ser ligeiramente mais cara mas tem cor de carne, tem sabor de carne, muitas vezes sei onde nasceu e cresceu o animal. E posso, quando me apetecer, fazer a lasanha em casa com o que gostar e consumindo português de qualidade.
Só com o consumidor a boicotar a compra de produtos, quase sempre duvidosos camuflados numa marca, a febre do lucro fácil pode terminar.