Porque deixei o Facebook
No almoço de Domingo descobri que perdi um acontecimento importantíssimo na nossa vida social. Pior!… Não só o perdi, como nem soube que existiu, uma coisa só vista. Tinha falado ao telefone com uma prima que de facto me disse que “ia ver o jogo”… o jogo? Deve ser futebol… mas não há “jogo” todos os dias? Que me interessa isso? Como é que eu ia adivinhar que era coisa de tão transcendente importância? O meu pequeno irmão deseja que eu comece a viver neste planeta! Só se não o conseguir evitar! A minha mãe — uma santa —, explica-me que não se falou de outra coisa!
Mas é exactamente por não se falar de outra coisa que raramente ligo a nossa única televisão, nunca compro jornais e raramente — ou nunca —, consulto jornais online. Acho uma perda de tempo. Do meu.
O Facebook é uma coisa do género. A relação com o descrito, é a contradição. Descobri que vou lá todos os dias devido à página Mundo Fantasma e acabo a pasmar em frente de uma distorcida e bizarra visão do Mundo. “Partilha” (eu até lhe ia chamar spam) de links em que o trivial acontece mas “eu não vou acreditar na fotografia final” ou “no que aconteceu que o deixou boquiaberto até hoje”; a amiga que mal conheço está no México; o amigo que conheço mal, comeu berbigão ao almoço; um outro que julgava conhecer bem é um radical de esquerda, panfleto após panfleto; outro que realmente não conheço, nunca o vi, acha que o Benfica é o início e o fim e tudo; animais abandonados e maltratados, mas muito “partilhados”; as frases feitas, axiomas e aforismos da treta; as frases motivadoras com fotografias do pôr-do-Sol; o passado sempre presente; e principalmente a indiferença dos pares, por todo o lado. O Facebook conseguiu colocar pessoas que ainda há poucos anos escreviam textos interessantes em blogues interessantes, a debitar tudo isto e mais uns monossílabos que vão viver uns quatro segundos no “mural” de alguém.
Como se não bastasse o fino recorte da esmagadora maioria do conteúdo, o Facebook é exactamente o que o Mundo (aparentemente) necessitava: Mais um local onde vender publicidade para as massas consumirem. Com a minha saída gradual (deu um trabalhão desamigar tanta gente), descobri que várias pessoas e entidades que escolhi deliberadamente “seguir”, nunca lhes vi um único post… Ou seja, a empresa Facebook está à espera que essas pessoas paguem para o que publicam me chegue e a outros como eu. Pode ser que isto até faça algum sentido, não imagino qual. Não me parece que queira participar mais do que já participo na página Mundo Fantasma (onde de facto pago regularmente para os “fãs” poderem ter acesso às minhas coisas).
A parte que poderia ser boa, uma espécie de diário cronológico bem organizado, não funciona. Não passa muito tempo para que eu já não consiga encontrar as minhas próprias coisas. Não sinto nada a ser construído ali, nenhuma relação a ser aprofundada (pelo contrário), nenhum conhecimento cultivado. Quantas horas já terei perdido no Facebook? Não sei, mas foram as suficientes para ter chegado à conclusão que não quero perder mais.
PS: Claro que isto não é exactamente novidade para quem vai lendo o que eu escrevo (ou este). Antes de desamigar toda a gente tentei controlar o meu tempo, decidi várias vezes não publicar lá mais nada e falhei sempre. Sim, aquilo é viciante e eu não gosto de vícios, nem os tenho.
PSS: E outra coisa: O Facebook foi feito por americanos e já muitas vezes ouvi os portugueses a reclamar a inexistência do botão “não gosto”. E é o espírito da coisa por cá, em geral. A Susana tem um blogue que já aqui divulguei, nunca ninguém lá colocou um comentário de uma palavra que seja, por exemplo “Gosto”. Recentemente começou a publicar o que faz em sites americanos e acumulou rapidamente comentários de incentivo, perguntas, demonstrações de interesse… Há uma diferença.
Uma resposta para“Porque deixei o Facebook”
Olá,
O ano passado resolvi desamigar mesmo toda a gente e nao-seguir as páginas que seguia, mantendo-me só na administração da minha página. Fui forte apenas durante uns 2 meses… Ainda nao sei bem porque voltei a amigar novo conjunto de pessoas. Foi evidente que nao conseguia tao eficazmente acompanhar outras páginas…
Foi uma experiencia suficiente para passar a auto-controlar-me um bocadinho melhor.
Por exemplo, em relação aos grupos – cheguei a estar em vários. Optei por permanecer apenas num, bastante restrito. E acaba por ser esse o mini-forum que me interessa de facto agora… além da página.
É difícil adaptarmo-nos ao que nos serve em termos de informaçao, entretenimento, afinidades ou trabalho… Haja bom senso, essa coisa indefinida que sabemos faltar tanto por aí.
«O Facebook conseguiu colocar pessoas que ainda há poucos anos escreviam textos interessantes em blogues interessantes, a debitar tudo isto e mais uns monossílabos que vão viver uns quatro segundos no “mural” de alguém.»
On a happy note… a moda agora é o regresso à actividade de bloggers séniores em estado de hibernação. Também estou a mentalizar-me para a minha rentrée…
Quanto à Noz Verde, não conhecia. O meu acompanhamento da internet tem andado intermitente e vou perdendo coisas. Mas vou ficar a seguir.
Abraço e bons blogs.
Hehehe… espero que sim… o teu blogue continua no meu RSS. Utilizo o Feedly, que funciona muito bem. Também foste desamigado no Facebook, acho que não levaste a mal :) .
Afinal não sou única. Também entrei por causa de uma página, comecei sem perfil o que invalidava e restringia outro tipo de interacções. E então, lá criei o tal do peril. Mas dou por mim a ver o mesmo alinhamento dos noticiários e jornais, salta-se dum acontecimento bárbaro para “hoje, festa na praia”. Muito esquizófrénico. Faz-me mal.
Por outro lado, enquanto só tinha o blogue havia muita informação que me escapava. Mas também, hoje, já não sei o que faça com tanta informação. Dispersão, intoxicação.
Não tarda acho que faço o mesmo. Aqui volto sempre, também com o Feedly ;)
E que bom é o Sargaçal continuar de portas abertas!
eu começo a ver algumas “distorções” que me chateiam e que me fazem gostar cada vez menos de lá estar: esta semana recebi um convite para gostar de uma página de um “fotógrafo” (explico já as aspas…), fui lá espreitar e vi 8.000 e muitos likes. isto para alguém sem carreira, sem trabalhos expostos, sem livros nem nada que se veja. umas fotos soltas, na melhor das hipóteses. o colectivo “tendance floue” – um dos melhores colectivos de fotografia neste momento – nem 2.000 likes tem na sua página. uma carreira brutal, um trabalho impressionante desde 1993, treze fotógrafos de topo, uma capacidade enorme de contar histórias. claramente uns fazem carreira onde devem, na rua a fotografar, a expor, a publicar livros e outros fazem-na no facebook.
no entanto estou a gerir a página da editora e em breve a do colectivo e a minha pessoal e preciso de lá estar. e o tempo tem sido escasso para publicar nos blogues. mas no geral concordo que aquilo é viciante e por isso não podes ter hipótese de ter arquivo, assim estás lá sempre “agarrado” há espera da última publicação sobre inutilidades (muitas das vezes nem disso passam…).
bem utilizado é uma arma fundamental para a divulgação mas é preciso algum trabalho para ir além da enxurrada de publicações que são feitas minuto a minuto.
Obrigado Paula… eu quero acrescentar que também a partir de certa altura deixei de comentar noutros blogues, não sei porque razão, mas essa interactividade acabou por se perder. Há coisas que critico e que já passaram pela minha feroz auto-crítica e depois venho para aqui pensar alto.
Experimentei e continuo a achar que os blogues fazem mais sentido. Acho que podem dar algo de jeito, nem que seja para nós próprios, o que nos tempos que correm nem é mau. :)
Mário já te tenho dito que prefiro 10 interessados que 10.000 que se estão a borrifar… por um lado. Por outro, eu não percebo como é que o Facebook é fundamental para divulgação, sem se pagar, se as coisas não chegam sequer aos que manifestaram esse desejo à partida. Nestas coisas da internet para mim é fundamental perceber o que se passa e onde encaixo e ali não percebo. Ainda não consegui. Percebo, apenas na lógica de traficar informação para vender publicidade. Mas é um modelo que não devia interessar aos humanos… nem aos animais.
o que eu acho é que as pessoas não querem sair lá de dentro. eu vejo isto no blogue do colectivo: quando publicamos uma “pequena estória” e o fotógrafo partilha o link, temos logo um pico nas visitas, poucos são os que voltam depois. perderam esse hábito, só lêem se o link for escapachado no facebook, acho eu…
é uma luta frenética entre estar lá e ir fazendo a divulgação do nosso trabalho ou nem lá estar de todo.
uma vez li um artigo que dizia que para estar e não dizer nada de relevante mais valia nem lá estar (isto relacionado com fotografia) mas hoje em dia opiniões como essa – e a tua – começam a ser escassas, não por serem irrelevantes ou por serem mal fundamentadas mas porque toda a gente já foi levada pela enxurrada para lá. com tudo de mau que isso implica. hoje não tens opinião escrita de forma acessível e tens os teus dados “traficados” pelo facebook de forma nojenta. fazes uma consulta na amazon e logo a seguir no facebook tens anúncios com os links para os produtos que viste na amazon! isto para mim é de uma pervesão total no que toca à privacidade!
o exemplo que te dei é típico: a nulidade total mas que se vende bem lá. sempre foi assim, tens tipos (alguns muito bons, tipo a Aniela) que construiram carreiras nos sites de partilha, é markting puro e duro. e é só isso. o que me impressiona não é o facto de ele se vender bem, o que me impressiona é o facto de as pessoas “comprarem” aquilo sem qualquer espécie de questão, ou seja as pessoas já fazem “like” nas páginas por simpatia e pouco mais. não questionam, não lêem currículos, não intervêm, nada; é mais fácil fazer o “like” do que irem à página perceber onde o estão a fazer.
e é contra isto que temos que lutar: a apatia total. que o facebook gosta porque para ires contra este “estado das coisas”, para estares sempre vísivel aos leitores é preciso, como bem referiste, que os gestores das páginas paguem para que as suas publicações sejam lidas. encontro esse exacto problema nas minhas páginas a cada dia que passa…
No exemplo que dás acima, uns se calhar dedicam-se mais à foto; outros ao social e promoção. Também sempre existiu gente adaptada e gente inadaptada. Há pessoas que se movem bem em todos os meios e de facto sabem e têm interesse em auto-promover-se (e muitas vezes é tudo o que sabem). Mas não posso também criticar quem faz uma coisa, só por eu não a saber fazer. Vive e deixa viver…
De qualquer modo, também tenho de dizer que devido à total especialização da página Mundo Fantasma, nunca tive onde realmente promover de um modo direccionado e o Facebook foi o único locar onde isso foi possível e resulta. Mas a pagar — nem me queixo disso do ponto de vista do anunciante, mas queixo-me do ponto de vista de quem produz conteúdo para alimentar a máquina.
As pessoas não querem sair… aquilo é um vício, já deu para ver isso. Se calhar substitui horas de tv, sei lá. Por mim, desde que não me chateiem, cada um que desperdice a vida à sua maneira. Eu gostava de sentir que não estou a desperdiçar a minha.
Likes? Estreita isso. Que % já chegamos à conclusão que participam nos eventos? 1%? Chegará a tanto? De 60 que vão, aparecem seis? Pessoas que voluntariamente clicam em “vou”? Não são as estatísticas da internet, em que inúmeras pessoas param na nossa página por engano, estamos a falar de algo deliberado e voluntário. Explicam-me como se eu fosse retardado que o “vou” não quer dizer que se vá, que é um “vou” virtual? Mas alguma vez na vida vou levar aquilo a sério?
E por outro lado, prefiro organizar um evento e ter lá 90 “vou” do que a meia-dúzia que realmente pretende ir. É por isso que se compram “amigos” e “seguidores”… marcas, empresas, políticos, desportistas, estrelas, indivíduos… é para criar momentum. Ninguém gosta de estar sozinho e isso nunca foi tão verdade como na internet, nem que sejam bots, queremos companhia, aos milhares… Acho tudo isto estranhíssimo, mas parece que é assim o Mundo.