Quinta dos Animais

A propósito do texto “Quinta dos Animais” de José Meireles Graça no jornal Observador, reproduzo o seguinte comentário que se destaca entre a boçalidade habitual. O jornal Observador, parece-se mais com um pasquim como os outros que pretende substituir, a cada dia que passa. Sem mais e com agradecimento ao autor (Winter Is Coming):

O argumento perturbou-me porque não percebia por que forma é que o que ficava nas travessas haveria de chegar aos pretinhos”

(…) [apenas 3 curtos parágrafos adiante]

“Esta notícia ofende quem ache que os animais não são pessoas; e que é imoral que, no mesmo país em que tanta gente morre por falta de assistência médica tempestiva, se invistam milhões para prolongar a vida de cãezinhos e gatinhos.“

De que forma é que a omissão de um investimento privado chegaria às pessoas que estão em lista de espera para tratamentos?

Confiscaria o investimento privado em nome de um interesse superior? (claro que sempre superiormente decidido)

Vê imoralidade no investimento privado na indústria dos animais de estimação e não vê imoralidade no menino que desperdiça comida?

Não percebe a lição moral sobre a fome dos “pretinhos”?

Se alguém decide gastar o seu rendimento disponível em tratamentos para os seus animais, isso é assunto que só a essa pessoa diz respeito. Há quem espatife em canais de desporto. Há quem espatife em dízimos para Igrejas, Há quem espatife em casinos. Há quem espatife em clubes de stripe. Há quem espatife sendo sugar daddy. Há quem espatife na educação dos filhos.

É a economia liberal a funcionar estúpido!

Quem lhe passou procuração para afirmar “Esta notícia ofende quem ache que os animais não são pessoas”?

Não equiparo pessoas a animais. Entendo que a criação e o abate do animal para alimentação é um acto natural, nobre e sagrado. Não tenho nem pretendo vir a ter animais de estimação. Sofro os incómodos de ter vizinho com animal de estimação. Todavia, a notícia não me ofende. Consultei alguns conhecidos nas mesmas circunstâncias que eu e afirmaram-me que não se sentem ofendidos. Riram-se na minha cara.

“a lamechice de tratar os bichos como “filhos”, e a dona da casa como “mamã” dos bichos, suscita nojo;“

Qual é exactamente o problema social de alguém ter este tipo de comportamento para com os seus animais de estimação? Que dano causa à comunidade? Se você tem o direito de sentir nojo? Tem. Tem o direito de sentir nojo por tudo quanto ofensa a sua susceptibilidade, como seja alguém comer sem talheres manipulando a comida com as mãos. Poderia ter manifestado nojo quanto aos cócós na rua; esse sim um problema que atinge a comunidade: atinge o cidadão que não tem cão, como atinge aquele que o tem e limpa os dejectos do seu porque não gosta de imundície. Mas não, escolheu manifestar-se beliscado com algo socialmente inofensivo. A questão é: “quando Pedro fala de Paulo, sei mais de Pedro do que Paulo”. Se calhar a mãmã mostrou mais afecto ao cão lá de casa. Isso é lá consigo.

Porquê dar-me ao trabalho?

Porque é deste tipo de comportamento pavloviano que o espectro ideológico do pós-modernismo se alimenta. Alimentam-se de gerar conflitos e de despertar instintos básicos na população. Alimentam-se do maniqueísmo, do nós e os outros, da natural inclinação das pessoas para tomarem parte numa contenda em vez de a rejeitarem por ser falsa e elaborada com um propósito político de confronto. É este tipo de reflexo pavloviano que faz perigar a preciosa e frágil possibilidade de convívio pacífico. Porque tenho amigo com animal de estimação que trata o seu animal como animal e, todavia, com imenso amor; e eu, que não tenho animais e não pretendo ter e sofro os incómodos de quem os tem no meu prédio, consigo ver a beleza da relação do meu amigo com o seu animal: Um animal bem domesticado, que durante o dia vai para um canil para não estar sozinho e não incomoda vizinhos (regra geral, o problema nunca é o animal mas os donos, tal como nos filhos, muitas vezes, senão mesmo sempre, havendo problema ele está nos pais). E paga bem pelo canil! Mete nojo? É imoral? “Ai, as pessoas que estão a passar fome! Ai, as pessoas que não têm operações! Ai, as pessoas que….” Como é que vai ser? Vamos eleger um comité central para decidir o que é o gasto dentro da moral? NÃO, OBRIGADO! De resto, com os impostos que paga associados ao cão, também o meu amigo contribui dessa forma para termos estradas e hospitais (NÃO! Não sou a favor de SNS para animais! Quem os decide ter que suporte as respectivas despesas).

E a minha família, que viveu em ambiente rural de subsistência, que criava o seu porco, galinhas e coelhos; que tinha o seu burro para arar as terras e carregar as batatas no processo de “arranca”; que tinha a cabra e a vaca que davam o leite de onde colhiam alguma liquidez, tinha muito amor pelos seus animais. Há quem diga, cinicamente, que não, não era estima, era zelo pelo investimento e pelos instrumentos de sobrevivência. Pois não é verdade! Era estima verdadeira, mesmo quando chegava a hora de os abater. Tinham noção instintiva, não intelectualmente elaborada, da sacralidade da convivência com os animais.

Por quê dar-me ao trabalho? Em homenagem à beleza da relação do meu amigo com o seu animal. Em nome da sã convivência. Em repúdio pelo moralismo dirigido à “correcção” do outro em assuntos que só a ele dizem respeito. Em repúdio de inclinações para juízos instintivos, primários, maniqueístas, que impedem a ideia de compromisso da qual depende todo o convívio, que é tremendamente FRÁGIL.

O texto do autor não é mais do que uma despudorada exibição arrogante e pesporrente de moralismo. Sentir-me-ia tremendamente envergonhado de escrever o que li. E sei que também eu o poderia ter escrito, porque uma experiência recente fez-me ver como as vicissitudes da vida nos contorce o espírito. Redima-se. Está sempre a tempo.

E penitencio-me pelo tempo perdido neste escrito, porque tenho noção que provavelmente a maior parte destes artigos “polémicos” são destinados ao clikbait. Há muita gente a fazer do conflito um modo de vida.

F* YOU OBSERVADOR!

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