Sobre a limpeza coerciva

A propósito do regresso do veraneante, do aparente despertar de Sua Excelência o Presidente da República, para a questão florestal e a vergonhosa tentativa de elaboração de bodes expiatórios, tinha aqui um texto já terminado. Mas, para minha satisfação, o Dr. Pacheco Pereira e alguns leitores do Abrupto já disseram praticamente tudo e bem mais eloquentemente que eu.
Fica só uma nota final. Poderia haver uma hipótese de limpeza de matas, que seria a criação de empresas de recolha de biomassa para queimar em centrais térmicas, por exemplo. Mas mesmo isso teria de ser realizado com cuidado e fiscalização, porque não se pode de modo algum pilhar os solos, em muitos casos já paupérrimos, dos nutrientes necessários à manutenção da própria floresta. No Reino Unido, em muitos bosques e florestas, é proibido remover matéria morta, designadamente folhas, para não empobrecer os solos.

Uma resposta para“Sobre a limpeza coerciva”

  1. carvalho

    De alguma forma, o vosso artigo faz-me lembrar também a limpeza primorosa que às vezes se parece fazer das folhas caídas das árvores nas praças de uma qualquer vila ou cidade. Não gosto de pensar que encontramos tantas vezes depósitos de lixo a céu aberto e aquelas folhas que poderiam ser libertas para o seu percurso natural, ali mesmo ou reaproveitadas, são abruptamente retiradas como estorvo, que pessoalmente me agradaria sempre poder sentir nos pés… ainda que não pareça pertinente. Enfim, coisas e loisas, perspectivas ou manias, não estamos sós para julgar.
    Tenho observado que em Cinfães, para além de uma indiferença enorme na limpeza das matas, que caberia não só à Câmara, com uma acção sólida, alargada, com recurso ao Gabinete Ambiental criado(salvo erro na denominação), como também às pessoas individualmente, que sem qualquer cuidado abandonam os seus terrenos à violência da devastação pelo fogo, chega a haver a aceitação da queima de erva seca como uma limpeza necessária. Nesta altura do ano?!!! Correndo os riscos evidentes do pico de calor e estado das florestas??!!! Há domínios em que a informação e a consciencialização são efectivamente escassas nalguns meios rurais, neste caso seriam os perigos ambientais e o bem público as ideias a debater. Suscrevo-me, com consideração.

  2. cerveira pinto

    O exemplo, em primeiro lugar, tem que “vir de cima”. Esta semana ardeu, próximo de Boassas, parte da fantástica “Quinta do Paço da Serrana”, antiga propriedade do célebre africanista cinfanense Serpa Pinto e que há cerca de 15 anos foi adquirida pela câmara. Neste espaço de tempo conseguiu-se destruir aquilo que durante séculos, sendo propriedade particular, não sucedeu. A falta de cuidado, de limpeza, de vigilância, de criação de meios de combate a incêndias numa propriedade municipal que constitui um dos mais notáveis espólios culturais, turísticos e ambientais da região é bem o indicador de quem são os principais responsáveis pela tragédia que todos os anos varre o país… (Uma notícia do público de ontem – dia 6 de Setembro – dava conta de que 1/5 da área ardida neste Verão são espaços públicos. No entanto, tenta-se fazer com que o “bode expiatório” seja o pequeno proprietário, aquele que faz parte dos 20% que ainda teimam em permanecer nas aldeias despovoadas do interior, graças às políticas acéfalas e irracionais que estes mesmos políticos promoveram durante os últimos anos. E somos governados por esta cambada. Elucidativo, pois então!…)
    (Espero que me perdoem a linguagem. Mas é que hoje estou, mesmo, furioso. A “Quinta do Paço” é o mais notável património da região de Boassas e do Vale do Bestança e um dos meus sítios preferidos. Havia evitado falar sobre este espaço, precisamente com receio de que sucedesse isto mesmo. Ainda ontem recebi uma mensagem de um amigo holandês que, sabendo dos incêndios em Portugal, me perguntava como estava a Quinta do Paço… Ainda não tive coragem de lhe responder e acho que começo a sentir vergonha de ser português…)
    Abraço
    Manuel

  3. jrf

    Mas esse é exactamente o grande problema deste país. O exemplo de cima. E de cima, é uma questão de referência, porque pessoalmente acho o nível muito baixo, do domínio da espeleologia.
    E este comentário, além do que já se tem falado, acaba por comprovar mais uma sabedoria que me irrita nos comentadores profissionais e no próprio governo, que é a tese que só arde pinheiro e eucalipto. Já seria mau, mas é uma mentira vagabunda. Ardeu uma quantidade inacreditável de área protegida e tem ardido património insubstituível, arbóreo e não só.
    Também é lamentável que as pessoas tenham receio de falar de locais de excepção, para não despertar os apetites dessas forças ocultas que circulam livremente na nossa sociedade, perante o olhar imperturbado das autoridades.

Deixe um comentário

Mantenha-se no tópico, seja simpático e escreva em português correcto. É permitido algum HTML básico. O seu e-mail não será publicado.

Subscreva este feed de comentários via RSS

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.