Nem quero pensar nisso
Um dia destes fui lanchar com um amigo que não via há mais de 10 anos. Por incrível que pareça, encontrei-o na internet. O nome pareceu-me familiar nos comentários de um blog e resolvi contactá-lo.
Como devem imaginar, havia uma quantidade razoável de conversa para pôr em dia. Claro que esta minha nova vertente de lavrador de fim-de-semana também foi devidamente apreciada. Disse-lhe que chegamos ao ponto em que já nem sabemos o que comemos. — Nem quero pensar nisso –, foi a resposta.
Em quatro palavras foi perfeitamente delimitada a atitude geral da humanidade relativamente ao Universo. Da nossa rua às estrelas distantes, o melhor é não se pensar em nada e muito menos fazer. Também eu sofro desse mal, que tento combater diariamente. Mas não é para os fracos de espírito, quanto mais se pensa, mais infeliz se é.
Por isso se inventou o entretenimento escapista. Uma indústria de milhares de milhões, da bola às consolas de jogos, do Harry Potter à informação, da Britney Spears à política, do “car audio & tunning” aos concursos televisivos … O alinhamento geral? Pelo mínimo denominador comum.
Uma resposta para“Nem quero pensar nisso”
Vou-me repetir em relação a um outro comentário, mas não tenho palavras melhores para definir o que penso sobre isto que acaba de referir: é assustador. É assustador ver como o mundo caminha pelos pés das suas voluntariamente cegas gentes. Acho, e não quero parecer o Velho do Restelo, que as novas gerações vão ser mais alheias, mais desinformadas, menos solidárias, menos intervenientes. Gostava muito de estar errada nisto.
É assustadora a capacidade que a esmagadora maioria das pessoas tem para não se envolver, não querer saber, pior… preferir não saber. Assim terão todos uma desculpa para não tomar partido, com todos os riscos e incómodos que isso envolve. Vale tudo o que os afaste do ter que dizer “basta, comigo não?”
À Britney Speare acrescentaria por exemplo o futebol, os concursos do quem acerta no preço, os realities shows onde nos servem a vida alheia, enfim… tudo o que nos não deixe espaço, nem tempo, nem energia para ser, já que a era é a do Ter. A qualquer custo, já agora.
Palavra de honra que já não sei onde é que vi isto escrito, já que a minha capacidade de olhar, cheirar e querer saber está no limite da aminha memória, mas guardei algures no baú do meu computador, o meu mais amado objecto esta citação que me pareceu brilhante:
The world is a dangerous place to live in, not because of those who do evil,
but because of those who watch and let it happen.”
Albert Einstein.
Sobre as novas gerações, acho que a minha opinião vai mudando conforme os dias. Acho que é um exemplo de realidade complexa dificil de generalizar.
Acho que também depende muito do que se “vender” a essas novas gerações. Por exemplo, à geração anterior (dos meus pais) vendeu-se o “tudo é possível” (com a tecnologia, inovações, tv, carros, agroquímica, contraceptivos, ida à Lua, etc) e o “não há limites”. Acaba por ser natural que certas preocupações pura e simplesmente não existissem e que os resultados não sejam lá muito animadores.
Lugar comum: o fosso entre as gerações sempre existiu e em cada geração sempre houve os que se empenham em lutar contra a corrente dos que “nem quero pensar sobre isso”.
Tenha-se paciência, mas que geração é que descaracterizou Portugal? As novas gerações foram criadas pelas anteriores.
Em Portugal vive-se o materialismo. No espectro geracional a diferença é pouca. As pessoas que se demarcam deste modo de vida não o fazem porque pertencem a uma certa safra geracional, mas de alguma forma têm uma sensibilidade diferente.
Concordo com a Manuela. Há sempre os que pensam e falam. Há sempre pessoas com mensagens diferentes a quem nos podemos juntar. “Não quero pensar nisso” é uma corrente. Agora cada um de nós escolhe. Há um escritor que escreveu que o que interessa é a viagem e não o destino. Ainda que o nosso destino pareça inatingivel, o que interessa é que a nossa escolha seja uma viagem e não sentarmo-nos e desistirmos.
Gabriela tem calma que a nossa geração (dos 30-40) só começou agora a tomar conta das coisas — leia-se a ter poder. A que descaracterizou, para mim, foi a anterior — a que viveu o pós-25 de Abril em todo o seu explendor e confundiu liberdade com falta de responsabilidade. Estava-se a ver que as calças à boca de sino e suiças farfalhudas nunca iriam dar bom resultado :) .
De qualquer modo, não estou optimista. Havendo ou não mensagens diferentes, a participação cívica é diminuta.
Por outro lado, o poder político que temos, no que toca a mexer no tacho, dificulta ao máximo a participação cívica, por exemplo em eleições. Só em circunstâncias extraordinárias alguém sem a “máquina partidária” conseguirá ser eleito e posteriormente fazer obra.
Mas tens de concordar que é inegável a quantidade de solicitações mediáticas sem significado (outro que escapista) que nós temos e que os nossos pais e avós não tiveram. Pior para quem está agora a crescer. O ataque publicitário, por exemplo, aos meus filhos é cerrado. Nós estamos com plena consciência e muitas vezes não conseguimos contrabalançar. Não é fácil.
E nota que este post não foi de índole “os outros não pensam nisso”. São os outros e sou eu. Nuns aspectos posso fazer mais, noutros “não quero pensar nisso”. E deve ser por uma questão de sanidade mental.
A minha irmã anda nos 40 e lembra-me dela me confessar que desiludida se sentia, pois pensava que quando a geração dela começasse a mandar as coisas iam melhorar…
Nos anos 70 a Alemanha vivia no consumismo desenfreado. Um pouco louco. Mudavam de mobília frequentemente, atirando coisas novas para a rua, onde os imigrantes iam e levavam pra casa. Mas isto era em tudo.
Hoje é moda ser poupado e ter coisas super velhas que se renovam. Os meus bares preferidos são os que têm sofás antigos e decrépitos (há imensos), lugares penumbrentos e sem pretensões. A Alemanha de hoje é o meu estilo. Detesto desperdício.
Parece-me é que pessoas como eu são inimigos públicos da economia como está montada. Eu quando leio economia, o que percebo é que se a minha visão de parcimónia é ambiental e eticamente desejável, eu sou na verdade um perigo económico.
Mas mesmo eu sou, comparativamente, com outras pessoas neste mundo, uma esbanjadora de recursos. Daqui a uma semana quando me sentar num avião para ir a Portugal de bagagem de presentes, eu serei uma mera consumista…
Ah, mas o que eu queria dizer: mesmo o consumismo educa-se. Pior para ti. Mais trabalho…
Eu consigo perceber-te pela minha irmã e os seus rebentos. Mas os pequenos já têm noções de límite. Eles adoram ir ao MacDonalds, mas eles avaliam se não estarão a ir vezes demais.
:-)
Bom fds.
Gabriela