Geria um quintal e uma secretária

Como a produção de posts do Henrique Pereira dos Santos é de tradição fordiana (ou seja, é uma autêntica linha de montagem), sou obrigado a não me atrasar e a debitar mais texto. Este já é mais típico das minhas discussões com ele: parte é dizer que não disse bem aquilo que ele diz que eu disse.
Note-se que a “velha argumentação que não é possível ter um número de sócios que garanta a sustentabilidade das associações em Portugal” é nova para mim. Desenvolvia para mim sozinho, pela prática e observação. Sou neutro, designadamente no associativismo ambiental, não tenho ideias preconcebidas sobre essa possibilidade. Ficaria muito satisfeito se as associações, designadamente a Associação Transumância e Natureza, com os conhecimentos, estratégia e colaboração do Henrique, me demonstrassem que é possível e que estou radicalmente errado.

Depois começa… eu não usei contas nenhumas do HPS, eu fiz as minhas próprias contas com base na estrutura de gestão que ele idealiza. Nem comento a questão que fiz das contas um desígnio universal… apenas utilizei o exemplo da ATN que é bom e estava na conversa, nada mais. Mas, concordo teoricamente com a estrutura, não só para a ATN. Se é de necessidades mínimas que estamos a falar, o caso muda de figura — as necessidades mínimas são a vontade de meia-dúzia de pessoas. Por duas razões: por um lado, mesmo associações com um milhar de sócios têm essa tal meia-dúzia mobilizada para trabalhar; por outro, esse núcleo muitas vezes é adverso a grandes “ideias” e “iniciativas” de sócios. Os sócios existem para pagar quotas, participar em iniciativas pré-designadas e fazer poucas ondas em assembleias gerais (designadamente nem aparecendo).

Para a estrutura mínima que o HPS imaginou para a Árvores de Portugal, eu respondo que para isso, prefiro mil vezes guardar os 600,00€ para o site das árvores notáveis, ou outra iniciativa concreta e auto-sustentável. Não só os 30 sócios sentem que o seu dinheiro foi utilizado em algo útil, como o viram corporizar-se em algo real relacionado com os objectivos centrais da associação.

É verdade que é difícil as associações sobreviverem ao “pai fundador”, mas isso acontece também com outro tipo de instituições onde o profissionalismo existe. Ou seja, não é o profissionalismo por si só a garantia de independência de alguém e continuidade para além dessa ou dessas pessoas. Até no topo da hierarquia e eficácia, uma empresa como a Apple por exemplo, tem dificuldade em encontrar um sucessor de Steve Jobs e no dia que ele abandonar em definitivo, as acções irão cair como uma pedra. E se quiserem um exemplo passado, também de topo, vejam o gráfico da evolução da capitalização bolsista da Microsoft com Gates e posteriormente com Ballmer. Isto não é um problema de associativismo.

Eu não imagino na nossa realidade o associativismo sem o esforço individual. Sem o voluntarismo desinteressado de meia-dúzia de pessoas, as associações não existem. Estranho que o Henrique sempre a apontar-me a inegável realidade não veja isto, ainda para mais com a larga experiência que tem. Eu acho que vê, mas reconhece que não é futuro (e não me custa concordar) e então resolveu que tinha de encontrar uma solução. O problema é que não é solução, porque o número de sócios pagantes será sempre inferior ao necessário e os recursos gastos na sua angariação e posterior manutenção, tolhem todas as associações que não atinjam um ponto bem para lá do simples break even.

Dizer que é uma falácia que 2.000 sócios (eu disse 2.500) da ATN apenas paguem a estrutura, carece de demonstração prática porque as coisas existem, não são abstratas. Uma falácia é achar que não — numa fase em que se cumpriu um décimo desse objectivo (a ATN tem 204 sócios)… mesmo que se venha a chegar lá, não é suficiente. Para 2.000 sócios pagantes anualmente, imagino um mínimo de 4.000 mil sócios inscritos (e aqui tenho de apelar à minha faceta optimista). Por algum motivo o Henrique não se apercebe da enormidade, dificuldade e em última análise irrealismo destes números.

A adenda é demagógica, como se entende ao ler o meu último parágrafo. Eu parei a duplicação de sócios passados oito anos a título de exemplo, porque nem nesse número acredito. Relembrando, parti dos 100 e duplicando cada dois anos ao fim de oito anos temos 1.600 sócios. Admira-se o Henrique de eu ter parado ao fim de oito anos porque ao fim de 15 anos são 25.000 sócios (na verdade 19.200 usando a mesma progressão, mas entende-se). Que sejam 25.600 ao fim de 16 anos, 51.200 ao fim de 18 anos… lá estamos nós… a mim não me custa imaginar a Árvores de Portugal duplicar os primeiros 10 sócios; e os próximos 20; e os 40… mas fazer estas progressões, não só duplicando 25.600 sócios, como considerando que até aí continuam todos a pagar religiosamente? É credível considerar com a experiência adquirida que os sócios das associações ambientalistas evoluem em progressão geométrica de razão 2 (duplicando cada dois anos)? Não é. Aliás na ATN diz o Henrique que entra um sócio por semana. 52… por ano.

É engraçado como as coisas são. Eu não defendo lógica nenhuma para a ATN, limito-me a constatar a realidade sempre tão cara ao HPS. Quase me apetece pedir uma definição de “muito bons resultados”. É bom que os sócios aumentem, que aumentem a um ritmo maior que nos primeiros dez anos e que as receitas também, mas considerando os objectivos ou desejos do Henrique, passa uma vida e ainda vamos ficar longe. Se não fosse meia-dúzia de pessoas e o financiamento das instituições estrangeiras e estivéssemos todos à espera deste modelo de gestão e das suas multidões de associados, hoje a ATN geria um quintal e uma secretária, não 600 hectares a caminho dos 800.

Isto é exactamente igual no tecido empresarial português de micro e pequenas empresas. Numa empresa toda a gente supostamente ganha um salário, mas só a partir de uma dimensão mínima uma empresa dessas se pode dar ao luxo de começar a contratar pessoal não directamente ligado à produção de riqueza. Até lá, o bom do sócio-gerente pelo seu salário atende telefones, escreve cartas, responde a mails, paga a luz, água, telefone, etc (felizmente agora no conforto do escritório), paga facturas, compra papel de escritório, trata de encomendas, vai ao correio, atende clientes, eventualmente limpa e aspira e também tem de produzir alguma coisa… O Henrique se for empresário, não é por saber quanto tem de facturar ou quantos clientes tem de ter para sustentar a estrutura que idealizou, que isso se vai tornar realidade. Nesse mundo vai-se à falência e acabou (cá, talvez não, antes vigariza-se tudo o que é fornecedor etc., etc. e vai-se empurrando com a barriga). No mundo associativo, o voluntarismo mantém as associações a flutuar.

A lógica que eu defendo para a Árvores de Portugal é que é outra. Parto do princípio que não vão existir sócios suficientes durante largos anos. Que esses sócios a existirem, necessitam de um incentivo constante para continuarem a ser sócios (ou seja pagar quotas) e que tal não será possível. A partir dessa constatação, a escolha é entre existir associação ou não existir. Decidimos existir. Julgo que entra pelo menos um sócio por semana e ainda não colocamos nenhum projecto à avaliação para financiamento, provavelmente pela razão que apresentei no outro post (o exemplo do financiamento do livro). E posso também dizer sem surpresa que muitos amigos e conhecidos por defenderem as árvores na blogosfera e não só, nem 10,00€ disponibilizaram para se tornarem sócios para a vida. E quem diz 10,00€, diz tempo ou alguma coisa que não sejam uns comentários. Naturalmente lá não concordarão com os objectivos e a gestão apresentada. É a vida.

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