A agricultura urbana…

Circa 1974
…à moda do antigamente. A propósito do “regresso” à agricultura urbana, o interesse dos jovens e mais umas coisas que por aí se vão lendo e ouvindo nas notícias, apresento uma fotografia que deve ter uns 40 ou 50 anos. É o quintal da casa onde vivi até mais ou menos os 18 anos.
Do lado esquerdo, são uns anexos que incluem uma lavandaria, onde os pintos recém nascidos eram criados, habitualmente por garnizas, excelentes para chocar ovos de galinha. Onde está a pomba é o galinheiro que tinha duas divisórias e ainda uma terceira que ficava para cá (dois quadrados da placa antes da pomba) e onde as galinhas se recolhiam à noite. Tinha espaço para pombas, rolas e outros animais tipo coelhos. Tudo com muito boas condições e limpo rigorosamente todos os dias. Leram bem, não havia um dia que o meu avô não chegasse do emprego e não limpasse todo o espaço dos animais.
Era proibido ir para cima do terraço, mas claro que íamos e um belo dia lá vim eu parar cá abaixo. Consegui esse feito no intervalo para almoço da escola e com jeitinho ainda apanhei uns chapos para aprender. Ainda hoje não percebo como não me parti ligeiramente, acho que até certa idade temos ossos de borracha.
Continuando pode-se ver que existe uma ramada com vinha que foi posteriormente prolongada para cima do galinheiro que ajudava a manter fresco nos dias de calor. Aí eram uvas americanas brancas que adorávamos comer no fim do Verão, entre brincadeiras. Esta ramada dava vinho que só era bebido pelo meu avô mas durava todo o ano. Era auto-suficiente em vinho (e muitas outras coisas) que fazia dentro da garagem todos os anos. Na casa do lado esquerdo, o meu tio tinha ramada igual e também fazia o vinho na garagem do meu avô. Ambos removeram a vinha quando a idade deixou de os permitir cuidá-la.
A árvore é um limoeiro que durou muitos anos. Do lado direito existe outra árvore que não identifico, nem me lembro que tenha durado muito. Uns anos mais tarde, em frente ao galinheiro, ainda houve uma laranjeira e uma tangerineira.
Todos os talhões e canteiros eram plantados e produziam todo o vegetal que se possa imaginar. Atrás da garagem tinha o estrume e posteriormente os coelhos mudaram-se para lá, saindo do galinheiro. Tinha também uma banca de trabalho com tampo de lousa se me lembro.
Os pequenos esteios do centro albergam macieiras e pereiras conduzidas pelos arames.
Para cá tinha (e tem) um pátio grande com um lago e peixes onde me fartei de cair a andar de bicicleta e à frente era o jardim, que produzia flores para o cemitério por exemplo. No jardim também existiam três bonitas árvores que foram, como podem prever, deitadas abaixo, tal como todas as da rua, excepção das que estão na casa ao lado, do meu tio (e por mérito exclusivo da filha e netas, senão tinham vindo abaixo como as outras).
Isto tudo para dizer que não há hoje ninguém na cidade a produzir a este nível e tão intensivamente. A maior parte das pessoas vive em apartamentos e se bem que seja de respeitar e incentivar o desejo de colher alguma coisa, é um exagero considerar essas hortas de varanda como tendo algum tipo de significado hortícola. As casas mais modernas são enormes (mais de 400m2 em não sei quantos andares) mas têm um terreno risível, muitas das vezes cimentado. Eu, ainda “jovem” (até que idade essa do jovem?) nesta casa, alguma vez na vida chegaria a produzir ao nível do meu avô? Ele vivia para isto. Chegava do emprego, mudava de roupa e era até ao jantar. Ao fim-de-semana levantava-se às seis da manhã e era até ao jantar, havia sempre que fazer, se bem que reconheço que havia também um certo nível de obsessão. Era tudo direitinho e bem feito, não havia ferrugem em lado nenhum, arames tortos ou coisas avariadas. Descansava apenas Domingo de tarde e não me lembro também de o ouvir falar de férias em Varadero ou Porto de Galinhas. Se há coisa que hoje lamento, foi não ter aproveitado mais os conhecimentos dele para aprender alguma coisa, enquanto lá vivi e depois, até ao fim.
Na casa do lado esquerdo, família, era igual. Na do lado direito, idem mas sem o savoir faire, é um facto. Todas as casas em volta produziam. Pode-se ver um terreno atrás, pertencente ao bairro, todo cultivado.
É verdade que ultimamente tenho visto nascer hortas em terrenos urbanos antes ao abandono, mas para se chegar até aqui, eu já nem sei se é andar para a frente, se é andar para trás. Dizem que as hortas surgem porque o país está mal (vulgo falido), mas eu olho para esta fotografia, vejo o bosque que já não existe, o aspecto de limpeza e dignidade, o tempo que não volta para trás e não evito grande nostalgia. É isto o progresso?

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