Incêndios: Limpeza dos terrenos

Muito se tem falado dos incêndios e mesmo assim, nunca é suficiente. Volto outra vez ao assunto. Este ano, para os lados do Bestança tem sido um exagero. Até Fevereiro já tinha ardido mais que em 2004. E como os dinheiros só começam a chegar quando se inicia a época oficial dos incendiários, mais ao menos ao jeito da época balnear, até lá, em Cinfães, são nove bombeiros que populam o quartel. Se toca a sirene, azar, porque sem verba não há voluntários. Pelo menos, é o que me contam.

De tudo o que tenho lido e tem sido muito, a proposta mais grotesca que amiúde aparece é o multar ferozmente os proprietários que não limpem os terrenos. E que ninguém pense que tento puxar a brasa à minha sardinha, porque nem gosto de sardinhas, nem me considero proprietário florestal; as árvores que tenho a felicidade de possuir, tento resguardá-las da melhor maneira e dentro do possível manter o terreno limpo, que até considero uma actividade bastante gratificante.
Porque não entendo o alcance e objectivos desta proposta, que não seja para que o estado, se multe a si mesmo, até à exaustão e bancarrota. Ridículo.
Por outro lado, seria sacudir a responsabilidade dos sucessivos desgovernos, na destruição da nossa agricultura e sistema produtivo, desde há 30 anos para cá. Reformas agrárias de um lado, directivas da UE do outro, o que é certo é que a agricultura que sobrou, é uma sombra de si mesma.
Antiquado, que ao que parece, sou, continuo a achar que qualquer país que se preze, devia produzir, no mínimo dos mínimos, o que come. Tendo condições climatéricas e terra para isso, bem entendido.
Além do mais, ignora o que realmente se passa no interior. Há uma série de herdeiros, que vivem no litoral, que em certos casos nem sabem o que têm, e cujos terrenos estão realmente ao abandono. Fora esses, não deve existir um único proprietário no país, que podendo, não limpe as terras. Os outros, pura e simplesmente não podem. São na sua maioria pessoas de idade e quando as forças começam a faltar, os matos começam a tomar conta de tudo. E não há ninguém no campo a ficar mais novo, apesar de eu próprio me sentir rejuvenescido quase sempre que lá vou.
Reparo que agora uma das expressões mais utilizadas pelos políticos, incluindo o presidente de alguns portugueses, é o “ordenamento florestal”. Bom, segundo as regras para a aprovação dos projectos florestais, para a maior parte das espécies, são 1.425 árvores por hectare, o que dá um compasso de 2 x 4 metros. Em termos produtivos é lógico, mas para os incendiários é ouro sobre azul. Se o incêndio não se propaga pelo chão, propaga-se pelas copas. Mas é irrelevante, uma vez que é sabido que o fogo ultrapassa auto-estradas com muitas dezenas de metros de largura. Portanto, estejam a dois metros ou a oito, arde tudo. Vejam esta foto do Dias Com Árvores. Terreno mais limpo, só se não tivesse nada. Nem erva.
Uma vez mais, como evitar os incêndios?

A primeira e indispensável medida, era repôr a autoridade do estado para os níveis, no mínimo, de 24 de Abril de 1974. O que aliás resolvia uma série de outros problemas. Lamentavelmente, é nessa lama política que muitos dos partidos continuam a chafurdar, como uma vara de porcos numa pocilga. Para esses, quanto pior melhor. Começa mal isto, pois daqui se conclui muito facilmente, que os incêndios não são evitáveis no país que se apresenta na actualidade.

Mesmo assim arrisco. A segunda medida, decorrente da primeira, seria uma operação “mãos limpas”, que investigasse a fundo as negociatas dos madeireiros, construtores civis, operadores dos “meios aéreos”, bombeiros e restante comandita que de uma forma ou de outra lucram com a tragédia. Relativamente aos bombeiros em particular, longe de mim generalizar, mas gostava de não ter o mínimo de dúvidas quanto ao assunto, porque o meu respeito pelos bombeiros ainda é total e completo. Inclusivamente o meu avô foi bombeiro voluntário de Leixões e passei muitas tardes com ele e os outros a vigiar os fardos de algodão na doca (que por estranho que pareça, também ardiam frequentemente).

A terceira medida, decorrente da primeira, seria reprimir brutalmente os incendiários. E digo-o literalmente. Sem piedade. Idem para a negligência e desobediência pura e simples, como o foguetório que por aí vai. Como a impunidade é total, alguém acha que alguma terrinha deixou, deixa ou deixará de mandar os foguetes ao ar? Quem vier atrás que apanhe as canas. E já agora, apanhe também as beatas dos cigarros, que voam aos milhões pelas janelas dos automóveis fora.

A quarta medida, decorrente da primeira, seria ter legislação à altura das circunstâncias. De excepção se fosse necessário. O que é isto que se passa, senão terrorismo ambiental? Sempre ouvi dizer que para grandes males grandes remédios.

Chegados a este ponto, os incêndios acabavam radicalmente. Seria como antigamente, os únicos que existiam eram os provocados pelas máquinas do comboio a vapor que passava.
O resto, já tinha falado e continuo a achar que são as medidas mínimas, necessárias e suficientes. Não resultam é sem autoridade do estado, contra facínoras armados de bidões de gasolina e isqueiros.
Hoje foi mais um dia que olhando para Sul, o céu do Porto se apresentava castanho. Só pergunto como é que ainda há ar, para se respirar. Vejam o que se passa em África e na América do Sul. Isto é assustador.

Uma resposta para“Incêndios: Limpeza dos terrenos”

  1. manuel cerveira

    Caro José Rui. Não poderia estar mais de acordo. É evidente que isto tem que mudar… e rapidamente, antes que seja tarde de mais! No entanto, tenho dúvidas… A anestesia é geral e as prioridades são os grandes “elefantes brancos”, as “obras de Estado”, o fogo de artifício para encher o olho a um povinho triste e largamente estupidificado (ia a dizer “emburrecido”, mas seria uma ofensa para estes simpáticos animais). Metade da população vive nas cidades e já mal se apercebe do drama nacional que são os incêndios, cada vez mais banalizados pelos meios de (des)informação, que apenas procuram o sensacionalismo mais primário. Penso que uma das medidas terá também que passar pela dotação de meios de combate a incêndios nas próprias aldeias. Enfim, por mim vou tentar fazer o que posso…
    Abraço.
    Manuel

  2. Nuno Ferreira

    Infelizmente, as coisas só vão mudar quando já não houver mais nada para queimar, e portanto estatisticamente a percentagem de floresta ardida diminuir (por não haver floresta). Aí quem estiver no poder vai vangloriar-se das medidas que foram criadas estarem a dar resultados.

    Não acredito na mudança de mentalidades. Para já, pelo simples facto que no meio rural a resistência à mudança (neste contexto pelo menos) ainda é mais forte que nas cidades. Basta olhar para alguns posts aqui no Sargaçal para ver que muito pouco mudou nas mentalidades desde muito antes do Estado Novo.

    E não tinha que ser assim. Até porque a própria desertificação demográfica das áreas reais, possibilitaria aos políticos tomar decisões pouco populares (por força da tal resistência à mudança de mentalidades) sem afectar grandemente as intenções de voto.

    Neste momento perdi toda e qualquer confiança na classe política, seja qual for a sua cor ou ideologia. O desnorte é completo, o que conta é quanto dinheiro é que se saca e quantos lobbies “lucrativos” se pode agradar. Já era assim nos 3 governos anteriores, não vejo porque irá mudar.

    A última réstia de esperança seria uma “cacetada” dada pelas instituições europeias, mas nem isso aparentemente funciona. Nunca vi nenhuma “ordem” de Bruxelas ter impacto prático na maneira de governar, ou nas barbaridades que se cometem todos os dias.

    E como o Dr. Pacheco Pereira escreveu no Abrupto, está-se a usar a Silly Season, em que 2/3 de Portugal vai a banhos para o Algarve, para colocar os peões nos sítios certos, subtilmente ou não, para que quando o país acorde em Setembro, já seja um facto consumado. E mesmo que não o seja, com as autárquicas à porta e a estupidez galopante das presidenciais na comunicação social, quaisquer factos relevantes serão perdidos no ruído que é emitido por S.Bento.

    E quem vai pagar a conta nem somos nós, são os nossos filhos e netos, que herdam um país que já nem como província de Espanha se safava…

Deixe um comentário

Mantenha-se no tópico, seja simpático e escreva em português correcto. É permitido algum HTML básico. O seu e-mail não será publicado.

Subscreva este feed de comentários via RSS

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.