O dia mais longo

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<p>Sexta-feira levantei-me cedo, para conseguir fazer bastante de manhã. No dia anterior o senhor Franklim tinha-me dito que dispensava o senhor Américo de tarde para irmos emendar o cano da nossa água. Nem vou perder muito tempo a contar as trivialidades da manhã, como enrolar mangueiras e coisas assim.<br />
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Perto do meio-dia e meia, fui a casa do senhor Franklim, para “ver como era” lá com o senhor Américo. Combinou-se para as 13h30. Perguntei ao senhor Franklim se me podia juntar a ele no almoço, com os meus próprios “morfos”, mas fui logo obrigado a comer um belo arroz de polvo. Entre outras coisas.
À horinha, apanhei o senhor Américo e lá fomos nós para os lameiros
onde já tinha estado com o Miguel e o Cláudio. Como ele já tinha andado a remendar o cano do senhor Franklim, sabia onde o nosso estava a deitar e ia ser trigo limpo.
Chegamos ao local, campos ainda com o gelo da manhã, água nem vê-la. Cava-se, examina-se o tubo, que efectivamente estava roto, mas não havia água. Tínhamos que subir até à nascente. Para colocar as coisas em perspectiva, o senhor Franklim disse-me que o tubo dele tem 3km. A nossa nascente consegue ser mais longe. Nem vou tentar quantificar. O silvado é por demais, o único caminho livre — não contando com a água, que é mais que muita –, são as levadas e o Ribeiro do Enxidrô. Nós de galochas, que para caminhar também é lindo. Mal passamos para a primeira levada, caminhando ao longo de um murete de uns 10-15cm de largura, com água a correr rapidamente e em força por todos os lados, comecei logo a pensar em natação. Quando passamos para o ribeiro, já só me via a nadar e o coração já estava aos saltos. Nas fotografias ficaram as partes fáceis, na maior parte, estava demasiado ocupado a tentar manter-me de pé no meio da correnteza. No jipe estavam 3ºC, aqui já devíamos andar no zero, calmamente.
Lá com as fotografias, perdi-me do senhor Américo. Chamei e ouço um “tou aqui” longe e bastante sofrido. Tinha ido arrear o calhau, que cena escabrosíssima. Apareceu ainda a compor as calças. Que coragem, que sangue-frio :-) .
Andamos nestas condições mais de hora e meia. Sempre a subir desalmadamente. Já tinha as calças todas molhadas e às vezes via a água a milímetros da borda das galochas.

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<p>Ao fim do que me pareceu uma eternidade, apareceu o lameiro da nascente. Quando lá cheguei, estava a suar em bica, como até no Verão é difícil. Não estava cansado, estava de língua de fora. Foi coisa de passar da cota 600m para a 1000m. Não estava a contar com isto, até me agrada, mas não era hoje.<br />
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Uns poucos segundos de descanso e o senhor Américo era só actividade. O problema era a caixa cheia de folhas que não deixavam passar uma gota de água. Mãos naquela água gelada e toca a tirar a folhada.<br />
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E agora a descida. Ele já estava numa de voltar pelo mesmo caminho, mas tive uma visão — era eu a ser levado pela corrente e a só parar no Bestança! Fomos em direcção a Marcelim, por um caminho mais ou menos. Mas a certa altura, já estavamos no corta-mato, para cortar caminho. Aquele tipo é lixado. Lá se mandou para o chão duas vezes, uma das quais mesmo desamparadinho de quem não está a contar com mais uma silva e tem as duas mãos ocupadas. Mais à frente fui eu, num mar de folhas que não deixava ver chão. Pimba. Levanta-te.<br />
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Emendamos o tubo em dois sítios. Um devia estar furado desde a instalação. É inacreditável, mas por cima tinha uma pedra que estava a ser furada pela força da água, talvez durante uns 20 anos. A fotografia está péssima, mas dá para ver o buraco.<br />
No lameiro onde tínhamos instalado um tubo super manhoso, que vim a descobrir agora para que servia, o desastre era completo. Parecia um arraial de chafarizes. Esse tubo, que pelos visto é o que conduz a nossa água ao tubo principal, tinha ardido, estava irrecuperável. É o chamado trabalho da treta, mais um, por parte do <a href=extraordinário vendedor do Sargaçal. Quando vendeu, não faltava lá água, graças a Deus. Já eram 17h, foi uma tarde inteira e continuamos sem água. Só com mais dinheiro volto a ter água. Isto para mim é indecente. Já estou é a pensar no furo que vou fazer ou no modelo de bomba para bombar a água que para lá temos. Começo a perder o interesse nesta água que vem do “cú de judas”. Está aqui, está à venda.
Totalmente lixado, regressei ao terreno, resolvi fazer uma fogueira, que é uma coisa que me permite ficar depois de anoitecer. O monte era grande, pensei que ia controlar, qual quê, aquilo ardeu tipo pólvora tive literalmente que fugir.
Consegui queimar as pontas de uma oliveira que estava na borda de cima a uns sete metros ou mais. E tive de ir buscar água, aquilo alastrou uns 50m2, embora só de erva rasteira e assim. Depois da água, o fogo.
Já passava das 19h, regressei à base, tomei um banho bem quente — estou todo arranhado — e preparei-me para ir para O Meu Gatinho. Pensava eu que o dia tinha acabado, vem-me a senhora dizer que estava lá fora um rapaz que diz que trabalha para mim. Trabalhar é uma maneira de dizer…
Vinha-me contar porque não tinha ido trabalhar… Teve uma “apendicite aguda no ouvido”. Chegado a este ponto, já nem sei se hei-de rir se chorar… Disse-lhe que podia ganhar bom dinheiro com aquilo, pois seria concerteza caso único no planeta. Médicos de todo o Mundo viriam a Vila de Muros para o observar. Estava finalmente encontrado o pólo de desenvolvimento que faltava. Fala-se já num novo aeroporto… Por via das dúvidas, perguntei-lhe se não seria uma otite. Era. Nesse caso, expliquei-lhe que não iria ganhar nada além de dor aguda, só trabalhando. Lá o levei a casa.
No restaurante, sempre aquela sensação estranha de ser sexta à noite e ter pouquíssima gente. Não ia com fome, mas acabei por comer bem. E pensava que o dia tinha acabado, já era o único e começamos a conversar, de gatos (a dona Teresa tem 13), cães, interrail, viagens… Saí de lá, já Sábado, uma e um quarto. Diria que foi giro.

Notas sobre as fotografias:
1. Ribeiro do Enxidrô, já a meio do percurso.
2. Esta água corria livremente pelo lameiro porque a levada estava entulhada. Também tem a nossa que saía toda da caixa. A nascente propriamente dita fica por detrás do muro.
4. A povoação que se vê é Vila Viçosa. Na estrada que passa lá em baixo, foi onde deixei o jipe a 600m de altitude. O Sargaçal fica por baixo, a 400m de altitude. Neste ponto estamos mais ou menos a 900m, muito perto de Marcelim. Teoricamente a água devia chegar lá abaixo com uns 60kg de pressão, mas não chega por vários motivos e ainda bem, porque não haveria cano que aguentasse.

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