O optimista sem fundamentos ou “…o mundo está bem e recomenda-se”

O Dr. Pacheco Pereira desta vez surpreendeu-me negativamente revelando-se um optimista colossal, o que por si só, há quem considere uma qualidade bestial. E eu que o tinha como um genuíno e bem fundamentado pessimista.

Isto a propósito da crise, que na tese do Dr. Pacheco Pereira é predominantemente ocidental. O facto de muitos dos ganhos nos países onde não há a “nossa” crise irem para “dirigentes políticos corruptos, para déspotas cruéis e a sua corte, para elites plutocratas” não trava o optimismo sem fundamentos. Pelo contrário, pois “há muita gente comum que está a ganhar com a “crise””. Isto não é novo, é uma versão requentada do “roubem, desde que façam”, muito comum na América do Sul. O caso da China é paradigmático, porque sendo uma ditadura comunista, coexiste com o “mercado” e tem a eterna admiração dos liberais ocidentais. É uma verdadeira revolução na qualidade de vida de milhões e milhões, bem musculada, cilindrando tudo à sua frente, insustentável do ponto de vista ambiental, mas admirável do ponto de vista dos liberais.

Mas nesta revolução, ou se acredita que estamos num planeta com recursos finitos, ou não se acredita. A este nível, todos os sinais sem excepção são preocupantes. Mesmo os que acreditam piamente na extraordinária capacidade do planeta se regenerar, seja pela via de Deus, seja pela via tecnológica, estão a comprar petróleo a $150 USD o barril. Aí já lhes dói. Não era previsível, dizem os analistas e governos de lés a lés. Para mim era. E já antes de 2004. Muito antes. Desde que os primeiros estudos indicaram que afinal o petróleo, pilar da civilização ocidental, era e é de facto um recurso finito. O Dr. Pacheco Pereira que tão bem compreende a insustentabilidade do modelo social europeu, parece ter dificuldades em compreender o mesmo mecanismo aplicado aos recursos naturais. E as suas respectivas consequências económicas.

O ocidente, designadamente os Estados Unidos primeiro e a Europa tentando como habitualmente não ficar muito para trás, patrocinaram a “revolução” na China, com base em políticas de vistas curtas, dignas de pequenos estadistas, gerados no ventre do conforto do “sucesso” ocidental. Com as consequências que já se podem observar no presente e mais facilmente no futuro. Os engenheiros chineses não constroem só “carros, os electrodomésticos, os navios, a electrónica”, de resto mediocremente. Os melhores, como será natural, estão no programa militar e isso é que é preocupante. A juntar aos “erros próprios” (um eufemismo para Iraque) que manietam a grande democracia armada ocidental.

O Mundo não está bem e muito menos recomendável. Está a mudar e a troco de contas coloridas. Na China, Koolhaas projecta o prédio da televisão estatal, que o Dr. Pacheco Pereira, sempre tão atento — e bem –, à nossa televisão estatal, utiliza para ilustrar o seu artigo. Nos EUA, fala-se em nacionalizações (via mais eufemismos) para “salvar” umas empresas que nunca ninguém por cá ouviu falar e também incessantemente numa nova palavra do jargão jornalístico — “subprime”. Silvio Berlusconi, sempre brilhante, sugere a fixação de um preço máximo de compra de petróleo…
Não posso deixar de pensar que o ocidente merece tudo o que está a acontecer. Foi o que semeou, é o que merece colher. A China, semente particularmente acarinhada, ainda vai dar uma colheita digna de ser vista. Se fosse vinho, seria vintage. Eu vejo isso. Políticos não. A vida é cruel, uns sabem-no, outros não.

Uma resposta para“O optimista sem fundamentos ou “…o mundo está bem e recomenda-se””

  1. lucklucky

    “Os engenheiros chineses não constroem só “carros, os electrodomésticos, os navios, a electrónica”, de resto mediocremente.”

    Sucintamente: Não sabe do que fala nem tem noção do que se passa especialmente o “mediocremente”. E como sempre a mesma atitude bem portuguesa de que as coisas nunca mudam.

    Isto é só um pequeno exemplo.

    O subprime nos EUA deve-se ao FED ter colocado as taxas de juro demasiado baixas durante demasiado tempo. Compreende-se um aligeiramento depois do choque dos atentados mas não a sua continuação. Mais tarde ou mais cedo taxas de juro baixas dão estes resultados.

  2. José Rui Fernandes

    Sucintamente: Não sabe do que fala nem tem noção do que se passa

    Ora cá está o clássico “primeiro desvaloriza-se o interlocutor e depois talvez se passe aos argumentos”.
    Acho que está habituado a comentar no Blasfémias e noutros pasquins desse calibre, mas aqui tenha calma. Principalmente a) vindo aqui comentar assinando lucklucky; b) com e-mail igualmente falso. Sabe que eu apago comentários mais rápido que a sua sombra.

    Dito isto, vejamos. Não percebo o seu link no contexto. Que acrescentou? Julgava que ia justificar o facto de eu não saber do que falo. E a “mediocridade”. Chama-me “bem português” e resolve o problema, nem passou aos argumentos. Foi um prazer discutir consigo.

  3. mário venda nova

    Gostei particularmente deste artigo porque assume frontalmente algo que nos passa na cabeça mas que não temos coragem de enfrentar: o mundo que conhecemos está a passar por uma transformação que nos irá doer a todos sem excepção. Não vale a pena pensar se a culpa do subprime é do FED ou dos bancos que sem olhar aos riscos de crédito emprestaram o que não deviam a quem não deviam. Culpar hoje a FED é fácil mas não resolve a questão de fundo, e que está subadjacente à questão do petróleo, que é saber se os mercados necessitam de mais ou de menos regulação. Agora pura e simplesmente, a FED anda a limpar a ‘merda’ que os bancos fizeram; é agora a instituição que foi alvo de tantas criticas por estar a ‘sufocar’ os mercados com regulamentações que tenha que os salvar, irónico não é?

    Quanto à suposta inovação vinda da China desconfio enormemente dela. De facto o que veio de lá a nível inovador? Os iPods? Não, design made in California, montagem made in China. Roupa? Não, design made in várias casas de alta costura europeias ou norte-americanas, costuras made in China. Mas para rematar nada melhor que um exemplo prático: tenho um familiar a trabalhar em Hong Kong no ramo do textil e é um facto adquirido por ele que se entregar numa fábrica china uma amostra – digamos uma t-shirt – e pedir 100.000 unidades/mês ele sabe que as tem prontas em três semanas. Agora diga na fábrica que quer 100.000 t-shirts mas desenhadas pela fábrica, com tecido e padrões que entenderam, e ficam aterrorizados. É garantido que passado três meses as t-shirts não estão prontas. E vamos ser honestos e ver as coisas em perspectiva: as fábricas ocidentais nunca quiseram entregar o design e concepção aos chineses, é com muito orgulho qu emuitas marcas de Hi-Fi inglesas ostentam o selinho a dizer design made in UK e durante anos fecharam os olhos ao que se passava lá. A Apple só recentemente teve a coragem de pedir à fábrica que lhes controi os iPods para melhor as condições de trabalho e só depois de muitas pressões internacionais. Portanto enquanto os chineses trabalharam 12 horas a troco de uma tigela de arroz a coisa correu bem, o problema agora é a ‘massa’ que gastamos alegremente nos iPods, iPhones e gadgets vários está a criar uma classe média na China que já não trabalha para pagar o arroz, agora querem carros, computadores e habitações condignas. E com isto tudo o petróleo está a aumentar – e não acredito que o preço tenha tanto de especulação como se diz por aí – porque (engolir em seco aqui) os chineses, indianos e brasileiros estão a chegar à fase de desenvolvimento e estão a sair do limiar do terceiro mundo. E como os recursos são finitos é um facto se a oferta se mantém e a procura aumenta, os preços aumentam.

    Hoje e depois da loucura de construção que se abateu na China para os Jogos Olimpicos o aço para a construção passou de 500€/Tonelada para mais de 1000€, um pequeno aumento de 100%. Ou seja patrocinamos o crescimento da China, olhamos para o lado em relação ao Tibete, permitimos atropelos à liberdade e no fim vamos receber de prémio uma pilha de problemas, hoje grande parte dos rios da China estão mortos, a poluição atinge níveis recordes, as áreas agrícolas estão a ser devastadas para se contruirem grandes áreas industriais e o povo é reprimido para aguentar isto e não bufar. Penso que isto não vai ser sustentável por muito mais tempo, aliás nem temos recursos para isso e a prova está no aumento do preço dos alimentos que está a matar à fome milhões e desconfio que os bio-combustíveis são apenas uma pequena parte da equação.

    É de facto uma situação explosiva e ainda bem que há pessoas que se dispõe a discutir isto, porque no fundo isto vai tocar a todas e a todas as portas e apesar de acreditar que a economia tem um amaneira estranha de se renovar e que isso faz parte do nosso crescimento, também não nego que as dores do crescimento serão difíceis de suportar. E desenganem-se, o pior ainda está para vir, provavelmente depois das férias de verão. Gozem-nas bem.

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