Dia magnífico
Lá fomos nós. O moral estava em alta, dentro da minha costumeira falta de noção das possibilidades, que às vezes chamo optimismo, tinha uma boa lista de tarefas. E nada menos que completá-las seria aceite. Quando chegamos, eram umas 10h30. Uma pequena volta. No dia anterior o Cláudio tinha-me enviado uma mensagem a perguntar se eu ia, respondi que sim, o rapaz não iria falhar. Falhou.
De repente a lista de tarefas começou a parecer-me algo grande. Bem, começamos por espalhar pelas laranjeiras, cinza que levei (trago lenha e devolvo cinza com o maravilhoso potássio e bastante alcalinidade para contrabalançar o solo ácido).
Reparo que o terreno foi novamente invadido por vacas de alguém. Não fez diferença, mas lá foram as couves galegas. Mas são animais muito grandes e árvores muito pequenas. Vedações para breve, espero eu. Tenho um bocado de pena de ter aquilo “de velho”, nem sei se iremos semear batatas, mas temos de focalizar noutras prioridades. E vamos continuando com as árvores.
Tínhamos oito Pinheiros mansos, Pinus pinea (Pinaceae), para plantar na Travessinha, onde o desastre com os castanheiros foi quase total (de 25 ficaram cinco). Não tenho grande entusiasmo por estes pinheiros, mas foi um amigo do meu pai que os semeou, com sementes que trouxe do Algarve e o meu pai anda cheio de gosto dos pinheiros, não vejo necessidade em contrariá-lo.
Apesar da Travessinha ser logo acima do espigueiro, tem de se dar grande volta. Um trabalhão levar as árvores, composto e ferramenta para lá. Este terreno só sobe, nunca desce… Antes de plantar tinha de dar uma limpeza e queimar. Ainda há muito material lenhoso, para fazer composto e na verdade em tão pouco espaço a biomassa de um ano, é ver para crer. Pelo menos as silvas estão de saída. Também este era um local que só se passava por um estreito caminho, a desviar silvado.
Tratei da parte pesada, o meu pai apanhou umas castanhas e começou a tratar da lenha que era para trazer. Temos muita no largo, mas o desejo era apanhar alguma da que anda espalhada pelo terreno. Rapidamente chegou a hora do almoço. Era oficial, a lista desactualizou-se. Nem 24h tinha.
Fomos ao O Meu Gatinho, não sem antes pararmos para conversa com a D. Arnalda e o Sr. Elias, que já não víamos há muito tempo. Pelos vistos não conheciam o meu pai, ficaram muito admirados. “Não parece nada”. O progenitor atira com “pareço o avô” e eu “nada disso, pareces o irmão”, ao que assenta a D. Arnalda. E diz-me que eu é que estou um bocadinho acabado, desde que “tomei conta da quinta”. A vida no campo é a galhofa, não há nada como ser o bombo da festa. A velhada diverte-se e eu divirto-me quando a velhada se diverte.
Quando regressamos, vislumbro um vulto lá para cima, era o meliante. Passei a chamar-lhe “cara de pau” durante boa parte do dia. Para também aprender a galhofa da vida no campo. Veio receber, a fortuna de quatro dias de trabalho (inteirinhos) em Novembro. Apesar de tudo, sempre seria uma ajuda, já estava a ver a vida a andar para trás, eram 15h e Sol nem vê-lo. Ia a caminho do dia mais curto do ano.
Ele fez os oito buracos, continuou-se a queimar, encheram-se garrafões, jipe cheio de lenha, apanharam-se diospiros Fau Fau, recolheram-se duas mangueiras de 50m, cobriram-se os citrinos (ver a foto do ano passado) e eu fiquei na plantação. A noite caiu com uma rapidez incrível e o frio que veio junto, arrepiava a sério. Contra o costume estava uma ventania jeitosa.
Continuei a queimar e ainda consegui mandar-me para o chão. A fumarada era tanta, porque o material estava altamente húmido, que não se via nada. Levava as mãos bem ocupadas de fetos secos (embora molhados), meti o pé num dos buracos já abertos, fui de queixos para cima da fogueira. O que vale é que era só fumo sem chama e os fetos apararam a queda. Só umas arranhadelas. Neste terreno só de radar… Mas até agora tive sempre mais sorte que o meu pai. Para o meliante fiz um seguro, desde o início, mas até isso é prejuízo, ao que trabalha, fica-me caro o seguro. Por falar nisso, um dia destes vai levar com essa.
Só consegui plantar seis pinheiros. Um seria muito perto da fogueira e optei por deixar. Outro foi impossível, já não via nada. E continuei a queimar. Escuridão total. O meu pai aos berros lá em baixo. Só mais um bocadinho… Estava na fase de me divertir e ver as estrelas.
Lá fui. Para quem estava parado o frio era demais. Já iamos quase no limite do terreno, o papi, resolve descobrir que perdeu a carteira. Afinal o filme ainda não tinha começado. Que sessão. Andava para lá aos saltos a remexer em tudo, resolvi beber um leitinho quente que tinha na termos. Fosga-se! Estragado. Intolerável! Mas, será possível, que o dia ameace acabar mal? Tinha aberto o pacote de manhã. E à noite, quando acabei o pacote anterior já me tinha queixado à Susana que aquela mixórdia indecente só me sabia e cheirava a remédio. É dos Açores. Realmente ninguém sabe o que come e que não come. Que Mundo miserável.
De volta à película presente, peguei numa lanterna e toca a subir o estradão. Lá encontrei a carteira no largo. E já lhe tinha passado com uma roda do jipe. Parecia o chapéu de um pobre, a descair para pior. Quando desci e lha entreguei, a reacção foi um misto de alívio e “o que é isto?”. Azar nítido.
Ah, foi um dia magnífico. A lembrar os outros dias magníficos. Estou todo empenadinho e amanhã vai ser pior. E é dia de semear umas ervilhas e umas favas — nesse aspecto vai ser mole.
Uma resposta para“Dia magnífico”
Por aqui a azáfama é igual. Se lhe contásse o que já fizemos, sem sabermos que eramos capazes de o fazer!
A ideia de registar a actividade do campo, é não só interessante como útil e agradável.
Não há um endereço para enviar fotos ou mails para troca de experiências e esclarecimento de dúvidas?
Não o vejo no blog.